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Índia: Não está preparada para o quê?
































Por Fernanda Pandolfi

Quando eu e a Lu, da Agência Diário de Bordo, começamos a divulgar a viagem que levaria um grupo do Brasil para me encontrar na Índia, recebi diversas mensagens de gente curiosa, mas que tinha medo do destino. Logo mais, ao iniciar as postagens da imersão pelo país de Gandhi, os comentários se repetiam nas minhas fotos: “Lindo, mas ainda não estou preparado” ou “Estou esperando um outro momento, preciso de mais tempo”. Medo do que, exatamente? Estar preparado para o quê? Quanto tempo você precisa? Há quem diga que não está pronto para encarar a pobreza, para cruzar com vacas e macacos na rua, para o cheiro forte de curry misturado com suor. Mas quer saber o eu acho de verdade? É preguiça. Desculpa aí a sinceridade. Preguiça de desacomodar. E não estou falando de conforto – pois ficamos em hotéis maravilhosos ao norte da Índia –, refiro-me à questão de ter que estourar alguns nós internos e repensar sobre seus valores e preconceitos.

A gente vive em um país em que as pessoas se matam à luz do dia por celulares e uns pilas, como diz o gaúcho; que a droga coordena quem sobe e quem desce e em que crianças não podem brincar sozinhas na rua para não serem sequestradas ou vendidas como mercadoria de luxo. A gente vive em um país em que se você não ficar atento ao caminho, o taxista lhe passa a perna, o vendedor não lhe devolve o troco exato e o ticket para o show pode ser falso.  A gente vive em um país em que são tantos os golpes, que eles já têm até nome próprio, e que ser malandro é uma qualidade. Mas a gente tem medo e não está preparado para a Índia, em que o índice de criminalidade é quase nulo e a violência é inexistente.

Antes que você se revolte aí do outro lado, explico-me: a Índia está a léguas de distância de ser um lugar perfeito. A desigualdade social é gritante, o machismo predomina, o desemprego e o analfabetismo são evidentes, a poluição e o trânsito são caóticos e falta cuidado do governo com os seus. A diferença cultural que costuma chocar é a de um povo que anda de pés descalços no chão que reflete os quase 40ºC diários, come com as mãos sem condições de higiene, bebe uma água, muitas vezes, contaminada, e descansa de cócoras. E, mesmo assim, com toda a dificuldade que o dia-a-dia lhe impõe, está de bem com o universo, tem riso solto, só veste cores vibrantes, canta e dança com a alma e está sempre pronto a ajudar o outro. Esse é o segredo da energia da Índia, tão comentada pelos visitantes: a superação. É o que nos coloca a refletir sobre nossas reações perante qualquer perrengue que se apresente e sobre se manter positivo e disposto.

A Índia tem uma missão implícita de lhe colocar em contato consigo, obrigando-lhe a fechar os olhos, respirar fundo e expirar um “ommm” bem longo. Ela também lhe obrigará a desapegar, a sentir a terra com a sola, sentar no chão, comer o que lhe servem sem perguntar muito a procedência do alimento e observar como você reage aos impactos do que não lhe é igual. Tem muito o que comprar por aquelas bandas. Ixi. Sáris, bijuterias, chás, elefantes da sorte, tapetes, temperos, mas se você decidir que não quer levar para casa nenhum souvenir, tudo bem. Essa é a única viagem na qual você volta de mãos vazias, mas com excesso de bagagem: para dentro. Porque depois de você circular pelo seu intestino, pulmões e coração por dias a fio, o seu sangue mudará, ficará menos denso e correrá naturalmente pelas veias – livre, leve e solto. Espere para ver.

Então, o que não entra na minha cabeça é que alguém me conte a história de que não está preparado para enfrentar este pedaço do mundo por receio da pobreza – mas vai para o Nordeste –, do choque cultural – mas não resiste a Dubai –, da bagunça – Tailândia? Tô indo – ou do medo, mas ama o Rio de Janeiro. Tem caroço neste angu. Investigue por si o que, de verdade, está impedido este passo. Voltando à festa de Diwali, lembro de uma frase que o nosso anfitrião disse quando a Lu comentou: “Tem que ter o coração aberto para vir a Índia”. Ele retrucou de imediato: “Não, Lu, tem que ter a mente aberta, o coração os indianos se encarregam de abrir”.

E não tem fuga. Então, só vá se estiver preparado e sem medo de entregar o coração.

Por Fernanda Pnadolfi | Ida e Volta



 

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