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É sobre isso e não tá tudo bem


"Tá tudo bem não estar bem", com essa potência de frase, estampada na capa de uma das maiores revistas de circulação mundial, a tenista Naomi Osaka liberta uma legião de pessoas que, assim como eu, leram essas palavras e se sentiram abraçadas e aliviadas por não estarem sozinhas.

- Será que já podemos fundar um grupo de apoio?

Naomi, uma das principais tenistas profissionais da atualidade, abre um debate tão necessário, que é o da saúde mental, principalmente no cenário atual em que vivemos, sobretudo, se falarmos de como a saúde mental das mulheres negras sofre, ainda hoje, com os requísios da escravidão que nos relegou o direito ao afeto, ao autocuidado, à vulnerabilidade.

bell hooks, de forma tão sensível, nos brinda com sua Ode ao autocuidado que é seu texto " Vivendo de Amor", quando nos diz que: "Muitas vezes confundimos o reconhecimento de nossas emoções com o desejo de se manter em controle. Quando ignoramos nossas reais necessidades, a tendência é nos fragilizarmos, nos tornarmos vulneráveis e emocionalmente instáveis. As mulheres negras se esforçam muito para esconder essa situação".


Então, quando li a matéria com Naomi o meu primeiro sentimento foi de acolhimento e pertencimento. Por mim e por ela. Talvez por uma legião de mulheres que, diferente de nós, não experimentaram essa liberdade que é desabar, desaguar e encontrar força na vulnerabilidade. Naquele momento pensei comigo mesma " Estamos juntas, irmã!".

É acolhedor saber que não estamos sozinhos, que todos temos lidado com nossos demônios internos e que falar sobre isso é algo transformador e de uma coragem que arrepia até a minha última linhagem.

Essa coragem de se abrir para a vulnerabilidade é a nossa maneira de libertar nossas ancestrais que tiveram que endurecer e perder a ternura para que um dia nós, suas sementes, pudéssemos abraçar o nosso lado mais vulnerável e desmantelar em mil pedaços aquela armadura que foi passada de geração para geração, até chegar em nós.

- Vocês estão livres agora, Yabás!

Assim como Naomi, a incrível Simone Biles, ginasta prodígio dos EUA, nos brindou com uma lição importante sobre como selecionar nossas prioridades, renunciando sua participação nos jogos olímpicos para cuidar de sua saúde mental. Ao bater o martelo e cuidar de si, Simone legitimou e também deu a força necessária para que nós, mortais, pudéssemos respirar aliviados e parar de performar.

Por falar em performance, sabemos que somos a geração da performance, o que nos faz querer produzir sempre e cada vez mais. O aumento nos casos de Burnout estão aí para corroborar. Nós nos tornamos nossas qualificações profissionais e acadêmicas, soterrando quem somos no meio de tudo isso. Ali, sufocados e sem ar, estamos nos escondendo através de respostas automáticas como " Está tudo bem amiga! Tenho lido 3 livros por mês, fazendo Pós, curso de extensão e trabalhando horrores".

Percebem a performance por trás de respostas como esta? E por quê? Pra quem?

Lembro que logo no início da Pandemia, sentia que não tinha o direito de assistir ao jornal da manhã com uma xícara de café. "Como assim, o mundo de cabeça pra baixo e eu aqui, tomando café?", era o que pensava.

Sentia a necessidade de ser produtiva, de fazer mil coisas, produzir muito no trabalho. Afinal, estava em casa, no conforto do meu lar, queria mais o quê?

E aí tive minha primeira crise de ansiedade após cometer um erro bobo no trabalho, por pura falta de atenção. Senti o peso da cobrança cair sobre mim. Eu, sempre tão focada em tentar ser a mais responsável possível, a mais dedicada, caí com o peso de um erro que, sim, poderia ter sido tratado de forma mais positiva, mas que foi a minha gota d'água.


Senti o formigamento subir pelo meu corpo, aquele nó na garganta e o aperto no peito ficando cada vez mais forte.

Saí meio desnorteada, em direção ao meu quarto e cai num canto, com as pernas encolhidas. Chorei compulsivamente. Chorei por coisas que estava escondendo há tanto tempo e senti o peso da minha " necessidade" de estar bem e produtiva cair sobre mim.

Eu buguei!!

Fiquei ali, estática, desejando que o mundo a minha volta sumisse e querendo muito o colo da minha mãe... É infantil, eu sei, mas eu queria me sentir segura... Naquele momento, como se estivesse fora do corpo e me observando, pensei comigo, ali, caída no chão, "Por que eu não consigo ser mais forte?".

E foi então que uma grande amiga, sem saber, me libertou. Numa de nossas conversas ela me disse " Tá na hora de recolher tuas unhas de loba alfa e baixar a guarda. Tá tudo bem não estar bem, madinha"!

As palavras dessa minha amiga foram como destrancar uma represa, sabe? Eu chorei mais um rio naquele dia.

- Obrigado Márcia por me salvar tantas e tantas vezes!

E com toda essa reflexão, quero reforçar aqui nossa liberdade de poder finalmente dizer em voz alta que não estamos bem e que, diante de tudo o que está acontecendo, é compreensível que não estejamos.

Outro dia, indo para o trabalho, ouvi duas senhoras conversando no ônibus. A pauta? A nossa geração. Ou melhor, nossa geração fraca ( palavras delas). No diálogo, elas diziam que nossa geração rotulava tudo, chorava por tudo, tinha um monte de frescuras, como a depressão.

Confesso que meu primeiro instinto foi o de ficar brava com elas. Porém, duas paradas mais pra frente, olhei pra elas e senti pena. Pena sim, porque eu imagino como deve ter sido difícil e solitário ter que performar uma vida inteira.

Eu senti pena delas por terem que viver numa época em que a vulnerabilidade era vista como o oposto da coragem.

E ali, ouvindo a fala daquelas duas senhoras no meu trajeto diário, fui tomada por um sentimento de gratidão ao perceber que, apesar dos pesares, nossa geração pode se considerar sortuda e mais livre. Afinal, somos uma das poucas gerações que tem a liberdade de cair, de chorar, surtar e entender que não precisamos mais viver uma vida inteira preocupados com a aprovação dos outros ou com medo dos rótulos. Somos livres para ter a coragem de admitir publicamente que não estamos bem.

Enquanto escrevo essas linhas e tento me confortar, gostaria de confortar a todas vocês, aí do outro lado da tela, mas também agradecer por presenciar a coragem de mulheres como Naomi Osaka e Simone Biles, ressaltando o recorte de raça, que faz muito sentido para todas nós, mulheres negras, que viveram anos e anos aprendendo a ser forte, a "chorar pra dentro como uma vencedora", como dizia minha mãe.

- Não mais, mamãe! Eu quero mesmo e me afogar em lágrimas se necessário for e me entender, me amar, me curar! Nós estamos cansadas e com medo e tá tudo bem!

Se cuidem, se amem e fiquem bem.

Até a próxima, irmãs!


Por Amanda Alves Rodrigues



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