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É possível ser empática com uma mulher opressora?

O feminismo me ensinou a ser empática com outras mulheres, independentemente de qualquer coisa. Estender nossa empatia é simplesmente nos colocarmos no lugar da outra, mesmo que as batalhas daquela irmã não sejam as mesmas que as nossas. Na teoria é algo inato a todos nós e um exercício diário. Porém, na prática, ser empático é muito mais complicado do que parece, principalmente, nos tempos de hoje.

Porém, diante de situações que por vezes me fazem perder as esperanças num futuro igualitário, me questiono se é possível estender nossa empatia a mulheres que são tão (ou mais) opressoras que os homens (sem generalizações)?

Como desenvolver o sentimento de sororidade com alguém que pratica tudo aquilo que eu como mulher negra e orgulhosamente FEMINISTA, repudio veementemente? Por vezes tento entender o contexto estrutural das ideologias de opressão, tento “justificar” tais comportamentos com base na cultura patriarcal a qual todas (os) fomos criadas. Porém, de fato, pra mim é muito difícil admitir que uma mulher oprima a outra ao incitar, por exemplo, a rivalidade feminina por motivos supérfluos e banais, que normalmente tem a ver com a atenção masculina. Até quando seremos submetidas a esses papeis? Até quando seremos massa de manobra?

É revoltante presenciar situações claras de opressão que trazem para aquela mulher que está na condição de oprimida todos os fantasmas dos relacionamentos tóxicos, das cobranças da sociedade por padrões comportamentais e de beleza. Então me questiono: Como ter sororidade numa situação dessas?

Contabilize quantas vezes você já escutou outra mulher falar que uma “vadia” roubou seu marido (como se ele fosse um objeto frágil e indefeso para ser roubado)? Ou que existem mulheres para casar e mulheres para se divertir? Ou, ainda, a minha favorita de todas, que “existem mulheres que gostam de chamar a atenção (lê-se gostam de ser assediadas)? Quem em sã consciência aprecia ser objetificada e insultada diariamente? E por que uma mulher tem que justificar sua vaidade e o cuidado consigo?  Por que a nossa vaidade tem que ser associada a uma “necessidade” de atenção (sempre masculina)? Será mesmo que uma mulher não pode gostar de estar arrumada (do seu jeito/estilo) por si mesma? Porque se ama e gosta de dedicar tempo com o cuidado próprio?

Eu escutei muitas frases desse tipo na infância, adolescência e agora, na vida adulta. Felizmente cresci tendo como heroína uma das mulheres mais inteligentes e bem resolvidas que já conheci, minha mãe. Graças a ela, que terminou seu casamento de 15 anos por uma traição, nunca fui incentivada a ver a nova companheira do meu pai como o pivô da separação (apesar de saber que a atitude dela não estava correta, quando sabia da existência de uma esposa e filhos). Ao contrário, ela sempre frisava que quem tinha um compromisso com o relacionamento deles era o seu esposo, meu pai. Não sei se agradeci o suficiente a ela, mas essa postura foi fundamental na construção da mulher que hoje sou.

Diante disso, me causa verdadeiro terror presenciar esse “Game of Thrones” feminino, cujo único e triste objetivo é ser o centro da atenção masculina. Em suma, presencio mulheres que dividem o ambiente corporativo se digladiarem em busca do título da “mais bonita”, “mais magra”, “mais cobiçada”.  Por algum tempo, condicionei esse comportamento estruturalmente machista, a pressão que é imposta as mulheres para que sejam extremamente competitivas no seu trabalho, almejando assim o mínimo de respeito e até de espaço. Porém, definitivamente, é algo que vai muito além de qualquer “demarcação”, é algo estrutural e que precisa acabar!

Entendo que fomos “educadas” para competir uma com a outra por um bom casamento (antigamente e atualmente), pelo corpo perfeito, pelo emprego perfeito e por aí vai. Porém, muito se lutou para que pudéssemos ser vistas como algo além do que um belo par de pernas… Muitas mulheres lutaram bravamente para que no futuro as próximas gerações não precisassem mais travar essa corrida pelo trono, que inútil e sem propósito. Pessoalmente falando, me causa embrulho no estomago pensar que ainda estamos presas as armadilhas do sexismo.

Por falar em armadilha, muito se tem falado sobre as “armadilhas do feminismo”, o que já é algo no mínimo arbitrário, se pensarmos que estamos falando de um movimento que luta pela igualdade de gênero, política, econômica, social, racial e emocional das mulheres essencialmente, mas também dos homens. Ainda nessa linha, recentemente li uma pesquisa que aponta que supostamente os homens assimilam muito mais os preceitos feministas do que as mulheres. Particularmente, me recuso a acreditar na credibilidade da tal pesquisa, principalmente, se contabilizarmos os números de feminicídio do nosso país só nos primeiros quatros meses deste ano.

Porém, o que mais me chamou atenção nessa tal pesquisa, foi o direcionamento capcioso que norteou o intuito desse levantamento. Isto é, fazer com as mulheres acreditem que não precisam do feminismo e, ainda mais arbitrário, fazer-nos acreditar em conceitos arcaicos como os citados anteriormente, que reafirmam a cultura patriarcal tão presente na nossa sociedade.

Diante de tudo isso, ainda assim não consigo assimilar falas como “não sou feminista, nem machista, sou humanista”! Percebem o equívoco semântico dessa afirmação que coloca feminismo como o feminino para o machismo? Percebem que falas desse tipo reafirmam o conceito segregador de que existem “boas mulheres” e mulheres que não devem ser levadas a sério? Será que está tudo bem objetificar e sexualizar a mulher ao lado, com único intuito de estabelecer uma “hierarquia” sexista, infantil e desnecessária?

Já está mais do que comprovado que todas essas “convenções” são ultrapassadas e pensadas para que nos vejamos como eternas rivais? Por isso, meus questionamentos diante de situações como essas são: Por quem estamos competindo? E qual o proposito dessa competição?

A resposta para as questões acima é mesma. Enquanto nos prendermos a um falso liberalismo, que nos aprisiona mesmo que de outras maneiras ao sexismo, não seremos livres. Tenho sempre em mente a fala de Simone de Beauvoir que diz que “Basta uma crise política, econômica ou religiosa para que os direitos das mulheres sejam questionados” … Diante disso me pergunto como algumas mulheres conseguem praticar com outra mulher aquilo que também é praticado contra ela? Como ser contrária a uma luta que também é por elas? Os fins justificam os meios?

Diante de tudo, lhes pergunto mais uma vez: É possível ser empática com uma mulher opressora?

Por Amanda Alves Rodrigues

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