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É de pequeno que se torce o pepino…

Marlene Neves Strey

É de pequeno que se torce o pepino… Esse é um ditado popular muito utilizado quando as pessoas querem dizer que é necessário agir desde muito cedo sobre as crianças a fim de se transformar um comportamento ou incutir certas ideias, valores, crenças. Por exemplo, quando uma criança pequena aprende a andar de bicicleta, mesmo que depois passe anos sem chegar perto de uma, será fácil para ela andar novamente pois “não esqueceria” como fazer isso. Essa é uma questão interessante e tem tudo a ver com o tema que gostaria de discutir hoje: por que será que é tão difícil mudar certos costumes, como por exemplo, o de pensarmos que existem coisas de homens e coisas de mulheres quando a experiência mostra que, se devidamente treinados, homens e mulheres podem fazer as mesmas coisas e obter resultados semelhantes. Dizem que lugar de mulher é na cozinha… Mas já sabemos que os homens podem se dar muito bem na cozinha, como bem mostram os afamados chefs em inúmeros programas de culinária na televisão. Dizem que matemática é coisa de homem… Mas a história nos mostra as incríveis contribuições nessa área de inúmeras mulheres na corrida espacial da NASA, por exemplo. Claro que elas tiveram de lutar muito para poder ter a chance de mostrar isso, dado que a ideia era exatamente que matemática não era coisa de mulher, principalmente mulher negra como eram muitas. Então, parece que, o problema não está mesmo na capacidade de cada gênero de fazer algo, ou não, mas sim de desconstrução de mitos, estereótipos e todo o tipo de obstáculo criados para impedir esse ou aquele gênero de realizar certas coisas. Quando as crianças aprendem, de uma maneira ou outra, que existem lugares e fazeres diferentes para homens e mulheres, fica muito difícil “desaprenderem” isso ao longo da vida. Não é impossível, mas é necessário um trabalho intensivo e a longo prazo para que os resultados apareçam. Em um dos artigos de sua Tese de Doutorado, a psicóloga Andressa Botton afirma que, se a sociedade já funcionasse de maneira igualitária e não sexista, não seria necessário ensinar isso especificamente, mas seria aprendido por identificação por meio das relações humanas no seu dia a dia. A psicóloga lembra que o cérebro humano infantil é plástico e constrói caminhos para reconhecer ações necessária na experiência vital.

A cada experiência de vida, as células cerebrais se remodelam para se adaptar aos novos acontecimentos. Andressa Botton cita Elliot (2013): “o cérebro muda quando você aprende a caminhar e a falar; o cérebro muda quando você armazena uma nova lembrança; o cérebro muda quando você se dá conta de ser menino ou menina; o cérebro muda quando você se apaixona ou afunda na depressão; o cérebro muda quando você tem um filho”. Ou seja, nosso cérebro muda a vida inteira, razão pela qual são possíveis todos os tipos de mudanças nos seres humanos durante qualquer etapa do ciclo vital. No entanto é na infância que a plasticidade cerebral é maior, principalmente porque, quanto mais pequena a criança, menos crítica oferecerá ao que lhe é ensinado. Absorverá quase como uma esponja o que seu meio ambiente lhe ensina, não só por meio de palavras, mas por ações e comportamentos daqueles que lhe são importantes. Razão pela qual, Andressa Botton lembra, mães, pais, professoras e professores e outras pessoas que participam ativamente da vida das crianças, são agentes dessas mudanças neurais, mesmo que não conheçam como funciona o cérebro.

“Coisas de homem” ou “coisas de mulher” são ensinamentos aprendidos e assimilados ao longo da infância e consolidados na adolescência e vida adulta. Isso pode mudar e está mudando, mas à custa de muito trabalho, que é combatido por meio de inúmeras estratégias e ações de grupos e instituições que não querem que a igualdade de gênero aconteça. Por isso é tão difícil que aconteçam mudanças em certos hábitos sociais, mesmo que esses hábitos sejam restritivos e injustos. Felizmente estão aparecendo, cada vez mais, iniciativas, estudos, trabalhos multidisciplinares que sacodem a poeira de velhos hábitos e ideias, contribuindo para fazer a sociedade reconhecer que a igualdade de gênero é boa para todo o mundo, principalmente para a própria sociedade.

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