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Você se pertence?


Há dias não me olho... Não me olho no espelho, não me olho nos reflexos, não me vejo.

Há dias não me sinto, não me toco, não sinto que exista alguém aqui... Alguém pulsando, respirando, vibrando.

Por que estou fugindo de mim, de me encarar, me enfrentar, me admirar? Percebo, então, que existem tantas feridas em carne viva aqui dentro, que foram inflamadas por essa parada forçada na vida, na rotina, no caos, que elas simplesmente sentiram a necessidade de gritar e me lembrar que ainda estão aqui.

Eu estou aqui! Apesar de tudo, apesar da dor, apesar do caos, apesar de estar cravada de estilhaços. ESTOU AQUI!

Com esse sentimento que não é só meu, mas de uma legião de mulheres, eu fico me questionando por qual motivo ainda nos invizibilizamos, ainda nos apagamos, nos esquecemos de nós mesmas?

Ouvi dia desses que nós precisamos nos pertencer! Fiquei remoendo esse conceito de pertencimento, ou seja,  do meu pertencimento, e cheguei a conclusão de que eu ainda não sou minha, isto é, não me pertenço.

Eu sou do mundo, dos amigos, da família, sou de todos, menos minha. E aí me vem esse sentimento de culpa.

Culpa por dedicar tanto tempo e energia em ser boa para os outros, mas nunca boa pra mim e por mim.

Culpa por desesperadamente ainda precisar de aceitação e aprovação.

Culpa por sempre extrair o melhor que há em todos ao meu redor, mas nunca, nem por um segundo, conseguir olhar pra mim e enxergar as coisas boas que habitam em mim. Por quê?

Culpa por não ter dedicado tempo a mim, ao que eu quero, sinto, preciso... Se eu não puder me priorizar, como irei priorizar todo o resto?

Culpa por depois de tanto tempo ainda sentir que a culpa foi minha por amadurecer antes do tempo, como seu tivesse tido escolha.

Culpa por ser minha pior inimiga, minha mais severa carrasca, por ser tão malvada comigo mesma. Por quê?

E essa coleção de culpas, de medos, de remorsos, me seguraram pelos braços, me confrontaram e me mostram que eu não posso mudar nada ao meu redor se eu não mudar primeiro os buracos obscuros que existem em mim.

- São muitos. Tão antigos como a poeira que cobre este solo.

Então eu sinto que preciso fugir, gritar, por pra fora todos esses medos que me impedem de me pertencer, de ser dona de mim integralmente, de me olhar.

O pertencimento tem sido uma pauta tão importante pra mim nesse momento, que me faz querer sair correndo e dizer para todas as mulheres do mundo que ainda não somos livres. Não, irmãs, ainda não somos! Enquanto ainda fugimos de nós mesmas, de quem somos, da nossa imagem refletida no espelho, renegamos o nosso direito de nos pertencer, de nos guiar rumo a nossa jornada de autoconhecimento, tão necessária.

E, graças ao início dessa minha jornada de autoconhecimento, pude perceber esses meus aspectos que eu não sabia que existiam, mas que agora percebo que sempre estiveram aqui. Eu lembro da sensação que eu tinha desde muito menina de não pertencer a nenhuma tribo. Numa família repleta de temperamentos fortes, mulheres vibrantes, vozes altas e impositivas, eu me questionava qual era o meu lugar nisso tudo. Eu não gostava – e ainda não gosto- de confrontos, não tinha a voz tão alta como o estrondo de um trovão, não me sentia tão forte e vibrante como as mulheres da minha vida. Então a quem eu pertencia, de que tribo eu fazia parte?

O engraçado é que somente hoje, beirando os 30 anos, esses sentimentos que foram invalidados por mim a vida toda começaram a fazer algum sentido... E eu só queria voltar pra aquela menina de anos atrás e dizer que um dia ela iria entender que ela poderia ser sua própria Tribo. Ela poderia criar seu espaço, trilhar seu caminho. Ser forte e vibrante a sua maneira.

- Sinta-se abraçada por todas as minhas versões até aqui!

E agora, eu olho pra esse futuro incerto, olho pra tudo que conquistei até aqui e vejo como eu me neguei o direito de saborear a minha vida, as minhas vitórias, o meu direito de ser minha.

Nesse momento, em que escrevo essas linhas, me vem à cabeça tantas conversas com as minhas amigas, com a minha mãe, com as minhas tias e primas. Eu fecho os olhos e penso que, assim como eu, todas elas foram forçadas a se negarem o direito de se pertencer. Isto é, todas foram promovidas a “ melhor mãe”, “melhor filha”, “melhor esposa”, “melhor profissional”, “melhor amiga”. Mas quem são elas realmente? Quem sou eu, quem somos nós?

A lentidão dos dias tem sido maçante e complicada, mas também me deu o tempo que eu precisava pra pensar em como eu quero agarrar com unhas e dentes o direito de me pertencer, de caminhar nessa jornada com os meus pés, meus passos, no meu caminho.

Esse caminho que vem de tanto tempo, antes de mim, antes de nós... Esse caminho que eu quero trilhar de mãos dadas com todas vocês para que as próximas gerações possam ter como direito adquirido a propriedade do seu pertencimento.

Até a próxima, irmãs!


Por Amanda Alves Rodrigues

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