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“Um paraíso que abriga demônios”

“Um paraíso que abriga demônios”

Hoje estava indo ao trabalho e solicitei um aplicativo de transporte pra me levar. Entrando no carro vi que o motorista tinha um nome não usual e perguntei qual era a origem. Pra minha surpresa, o motorista me contou que é de naturalidade italiana e mora há 5 anos em Porto Alegre. O nome dele é homenagem ao avô ou bisavô, não lembro mais, mas o interessante da história não é esse:

Estávamos naquele papo usual “e o que tu acha de morar no Brasil?” e, de repente, ele me disse algo que eu já sabia, mas que é uma faca no peito quando um estrangeiro nos diz. Ele falou: “eu sou italiano, não morei aqui desde a infância, não sei como é ser brasileiro, mas eu percebo que brasileiro tem um problema”.

“Lá vem…” eu pensei “… qual dos nossos problemas será que ele vai apontar?” e ele me disse: “não gostar do Brasil!”.

Suspirei por concordar, e ele seguiu, humildemente dizendo “mas como eu disse, não sei como é ser brasileiro, não nasci aqui, vejo como um problema social, de vocês e que vocês mesmo são quem tem que resolver”.

Nossa, ele não sabe, mas minha cabeça fez 180º nesse momento, me lembrei de tantas vezes que já vi e ouvi brasileiros(as) reclamando do próprio país dentro e fora dele. Parece que eu lembrei em milésimos de segundo de todas as lamentações ao mesmo tempo.

Lembrei-me de quando eu morava na Argentina e via o orgulho dos hermanos pintando a cara de azul e branco tanto pra torcer pelo futebol quanto pras lutas políticas. Tinham as bandeiras do país na janela pra lutar por qualquer campanha. Eu sentia um mix de inveja e tristeza pelo fato de nem no futebol meu país ser tão unido.

Lembrei também que nessa mesma época que eu estava na Argentina, o Brasil perdeu de 7×1 da Alemanha e o meu facebook era uma trovoada de auto-bullying. Nunca mais me esquecerei dos gritos argentinos “quien no salta es brasileiro” (tradução: quem não pula é brasileiro) e de outras musicas “simpáticas” que eles cantavam pra mim, mas juro que elas eram fichinha perto das nossas próprias piadas sobre nós mesmos.

Voltando para o assunto do trajeto, eu disse para o motorista que eu não era dessas, amo o Brasil. A minha pergunta era digamos mais “profunda” ou “especifica”: perguntei pra ele “mas poxa, por que Porto Alegre? Tanto lugar pra ir”.

Nós rimos. Brincadeiras a parte, ele me disse que havíamos chegado num ponto em comum: o problema nunca é o lugar. Ele me contou que o autor alemão Goethe escreveu sobre uma das cidades da Itália que a cidade era “um paraíso que abriga demônios”, ou algo assim.

Não quero ser tão dramática quanto o autor alemão sobre os porto alegrenses ou sobre os brasileiros, mas como boa psicóloga, digo que só muda de vida quem aprende a se gostar, a se amar. Se vale pro microcosmos, vale pro macro: Se aprendermos a nos gostar vamos conseguir nos cuidar melhor e, quem sabe, um dia, vamos nos orgulharmos do lugar que nos criou.

Juliana Soeiro – Psicóloga Clínica CRP: 07/26220 TEL: 51. 981345357

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