top of page

Sobre o poder do afeto!

Acordo no meio da noite, são quase 3h da manhã. Levanto de imediato, com uma pressa sem sentido. Uma sensação de sufocamento me faz sentir como alguém soterrado, brigando desesperadamente por uma saída de ar e luz.

Busco refúgio na luz da lua, no vento forte que bate na janela, no som da noite, dos bichos, do vento nas folhas. Questiono por qual motivo me sinto dessa forma? A dor no vazio do peito vai ficando mais aguda e quase me sufoca. Respiro fundo e busco em mim aquilo que irá me tranquilizar neste momento… Reencontro-me e me reconecto comigo mesma. Nas palavras de Graci do Blogueiras Negras: “ Aquela armadura de mulher forte e que aguenta passar por tudo ilesa começa a trincar e aquele nó na garganta que tanto posterguei aparece maior e mais intenso, abafando, asfixiando, sufocando e trazendo à tona toda aquela dor que fingi não existir mas que nunca deixou de me acompanhar. Então percebo que eu tive duas opções: mergulhar no fracasso que permiti ou emergir resgatando o que perdi, me buscando, me encontrando e tentando ser o melhor pra mim dia após dia. Eu escolhi a segunda opção.”

Nesse momento entendo que a única coisa que o meu corpo quer de mim é que eu deixe a guerreira de lado e que me permita cair, sentir, chorar, gritar… Caio no choro e sinto as lágrimas lavarem a alma, sinto que elas precisavam sair para que eu pudesse renascer uma vez mais… Deságuo em mim, no que sinto, nos pensamentos que viajam comigo até o mundo dos sonhos. Meu corpo treme, vibra e arrepia. Entendi, agora, a importância de ressignificar as coisas que fazem parte da nossa vida.

De pé, ali na janela da sala, olhando para o verde das plantas que felizmente são minhas vizinhas, sinto um vento diferente passar por mim. Ele sopra nos meus ouvidos, me abraça, acalma, alivia. Esse vento é um vento ancestral, porque todas nós somos regidas por uma legião de antepassadas que caminham lado a lado conosco. Sinto o beijo das avós, que eram fortes e delicadas. Ardidas e doces, como uma verdadeiro equilíbrio Yin-Yang. Sinto um sopro forte no rosto, como uma espécie de beijo metafísico. Sei que minha matriarca está comigo, zelando por mim, me levando rumo ao caminho de redenção e de autoconhecimento de que tanto preciso.

Eu aceito as bênçãos delas!

Eu preciso de amor, de afeto, abraço, beijo, risada. Todas precisamos de afago, contato, carinho… Por que nos convencemos de que para sermos fortes precisamos abdicar do afeto?

Ainda ecoando dentro de mim, me vem à cabeça o diálogo sofrido entre mãe e filha, que me fez viajar em muitas situações em que me vi nesse lugar, onde as personagens de Regina Casé e Jéssica Ellen, Lurdes e Camila, da novela “Amor de mãe”, inconscientemente falam de um termo cunhado por Vilma Piedade chamado “ Dororidade”. Dororidade, segundo Vilma, é a cumplicidade entre mulheres negras, pois existe dor que só as negras reconhecem, por isso a sororidade não alcança toda a experiência vivida pelas mulheres negras em seu existir histórico.

No diálogo em questão, Camila ouve da mãe que ela é forte… Incomodada, ela rebate dizendo que não aguenta mais ser forte porque é mulher, negra e periférica. Finaliza dizendo que gostaria de ser “fraca por um dia”.

Acho que todas nós, concordam?

Essas palavras ecoaram dentro de mim… Fiquei me questionando sobre a origem desse conceito de fortaleza feminina e sobre nossa exaustão. Será que todas as guerreiras não são apenas um bando de mulheres cansadas? Cansadas de performar e aguentar porque são guerreiras?

Para as mulheres negras, o mito criado em torno da guerreira de geração para geração foi perpetuado como elogio, como virtude. Carregado pelos resquícios da escravidão, trazemos em nós um entendimento de que omitir nossos sentimentos é a maior demonstração de força. Quando penso nesses aspectos vejo como vivemos uma vida inteira negando o amor e sua necessidade nas nossas vidas. Há anos uma legião de mulheres vem sufocando esse nó na garganta, esse aperto no peito e essa aflição que não tem nome, mas tem origem. Por que tivemos que renunciar ao amor?

Como muito bem pontuado por Simone Cristina Silva Simões: “A solidão da mulher negra, vem sendo discutida, numa tentativa de que as atenções se voltem a reconhecer o quanto o fortalecimento da negritude tem de vir acompanhado de discussões acerca da saúde mental dessas mulheres. De ampliar as discussões de que, por muitas vezes, em espaços de militância ou espaços domésticos, a força e resiliência atribuída à mulher preta, vem acompanhada de abrir mão das próprias demandas e emoções em prol de outrem.   Afeto, e o falar sobre o afeto, nos permitem entender nossas fragilidades, a entender que temos a possibilidade e o direito de nos reconhecermos não apenas enquanto frente de batalha ou ponta de lança, mas também como mulheres que também nas afetividades encontram seu poder, seu aconchego, sua energia. Podemos, e devemos, encarar a afetividade como instrumento de militância. O afeto nos dá energia. Ele nos une. E nos mantém vivas”.

Nessa linha, entendendo que o afeto pode ser o norte para esse processo de amadurecimento, de pertencimento de nós mesmas… Por meio do afeto, nós estabelecemos conexões novas e antigas com as pessoas a nossa volta, com o intuito de nos fortalecer, erguer, ressurgir.

Por Amanda Alves Rodrigues

Comentarios


bottom of page