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Sapatinhos vermelhos



Clarissa já tinha sondado algumas frases sobre vícios antes desse capítulo, mas fica mais claro seu entendimento das dependências na história dos Sapatinhos Vermelhos. O nome desse capítulo é: A preservação do self: a identificação de arapucas e iscas envenenada. Neste texto vou tentar transmitir o porquê.


Resumidamente, na história uma menina muito pobre que produziu seus próprios sapatinhos vermelhos de repente, encontra com uma senhora em uma carruagem luxuosa que a promete uma vida de riquezas. A senhora depois de prometer mundos e fundos pra menina, queima suas roupas e seus sapatos e lhe dá outros novos.

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A menina escolhe sapatos vermelhos de verniz, da mesma cor dos que tinha feito mas mais requinte. A menina fica obcecada por esse par de sapatinhos e não consegue pensar em outra coisa. Acontecem algumas outras cenas também importantes que não vou colocar aqui, mas pulando para o final do conto, a arapuca é que, em dado momento, ela fica presa aos sapatos e precisa amputar seus pés para que eles saiam do seu corpo.


Um final trágico. Lembrei de situações de golpe que ouvi algumas pessoas terem sofrido – acharam que iam ganhar um belo produto e no final perderam todas suas economias. Também me veio em mente quando oferecem drogas para um adolescente pela primeira vez e ele acaba preso a essa experiência que de início parece tão alucinante.


Essa história tem muitos elementos, mas quero focar na fixação da menina nesses sapatinhos. Quando a menina tem o fruto da sua criatividade roubada e queimada, busca pela substituição daquela sensação por algo que se aproxime do que ela vivenciou antes. É isso que acontece quando ela encontra os sapatinhos de verniz.


Quando falamos de dependência ou de vício podem vir várias imagens na nossa cabeça. As mais comuns são drogas, álcool, jogos, relacionamentos, dieta, velocidade, comida... Mas também podemos pensar nas insistências de nos comportarmos repetidamente da mesma forma porque da primeira vez foi efetivo.


Os comportamentos habituais e disfuncionais que não envolvem um objeto específico são mais difíceis de identificar, pois identificá-los requer autoconhecimento. Em meus atendimentos já conheci pessoas que se acostumaram a se isolar quando queriam pedir ajuda, já conheci pessoas que se tornaram muito rígidas por medo de se soltar e perder o controle, já conheci pessoas que se tornaram muito críticas porque também foram muito criticadas, entre muitos outros..


Como aparentemente esses comportamentos não geram um mal estar mais evidente como uso de drogas, parecem comportamentos que fazem parte da personalidade daquela pessoa, ou até já fazem, porque ela se identifica há tanto tempo assim que já não sabe ser diferente. Isso não significa que se deva permanecer assim.


Uma das explicações que Clarissa dá pra esses fenômenos é a de que estamos buscando a satisfação da nossa alma em algo que não vai nos dar o que buscamos, mas que

traz algum conforto, ou em psicanálise – ganho secundário. Porém só nos frustramos com isso, repetidas e repetidas vezes, como se aos poucos fossemos cortando nossos pés.


Clarissa diz “(...) No final das contas, a dependência só cria, como vemos na história, uma paisagem borrada que gira com tal velocidade que no fundo não se está vivendo uma vida de verdade”. Então qual a solução¿ Não aceitar falsas promessas aprisionadoras e voltar a criar, seja essa sua criação sapatinhos vermelhos ou qualquer outro desejo da alma.


Juliana Wesendonk Soeiro

Psicóloga CRP 07|26220

Contato: 51. 989264043

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