top of page

Ruptura


Olho pra cima e o que vejo é o branco do teto, a luz forte e incandescente, que quase me cega... O frio dos azulejos me traz de volta pra mim.

Aos poucos o ar volta e aquele calor que me lembra que estou viva retorna a mim. Eu voltei de um caminho tortuoso e solitário.

Reclino meu corpo e me encosto na parede, sinto o chão gelado debaixo de mim e os desenhos do meu azulejo azul Royal me fazem esquecer por um minuto do medo que senti.

Aqui, sentada no chão do banheiro, tendo como companhia o sanitário límpido, os pincéis de maquiagem milimetricamente alinhados, as toalhas bem dobradas e separadas por tamanho, sinto que eu não tenho o menor controle de mim. Logo eu, que sempre zelei pelo controle absoluto de tudo, perdi meu rumo.

Eu sinto as minhas lágrimas caindo, automáticas e insubmissas, elas voam dos meus olhos e caem nas minhas pernas estáticas e geladas.

Eu falo pra mim mesma “ Levanta daí. Já esvaziou tudo”... Mas eu não consigo me movimentar. Por quê?

Eu saí da cama, naquela madrugada fria, com uma sensação de sufocamento e com medo. Saí procurando alguma coisa que me reconfortasse e dei de cara com a porta branca do banheiro. Entrei ali como se fosse um portal para algo melhor, seguro, familiar.

Ali, deitada naquele chão frio, me encolhi pra tentar caber em mim, mas eu não sirvo mais nessa versão de mim que está aqui.

Eu chorei por coisas tão antigas que nem lembrava... Senti raiva na maior parte do tempo. Das coisas, pessoas e de mim. Eu não sabia o que me fez levantar da cama e cair ali, mas senti que precisava ficar naquele lugar.

É como ter no peito um represa, cheia de água, com força, potência e raiva. Essa represa precisava sair.

Ela saiu com as lágrimas que jorravam de mim e que me fizeram pensar no que me trouxe até aqui.

A ruptura desse ciclo finalmente fez sentido pra mim e eu simplesmente entendi o que me fez levantar naquela madrugada fria e deitar naquele banheiro cuidadosamente organizado.

Eu simplesmente cansei de estar brava, de estar na defensiva, de estar com raiva.

Eu tenho estado brava desde sempre.

Tenho estado furiosa, cansada, com as minhas defesas levantadas o tempo todo. A minha defesa é o ataque, a minha linguagem é da “ força” pintada com a agressividade.

Eu escuto das pessoas como eu sou forte, mas quando ouço isso eu vejo o quão cansada de estar forte eu estou. Faz sentido?

Eu tenho vivido há quase 20 anos com raiva pelo divórcio conturbado dos meus pais. Eu nunca tinha parado para pensar que eu precisava fechar esse ciclo e perdoar.

- Ao menos me perdoar e entender que nada daquilo foi culpa minha!

Eu também precisava jogar fora a raiva que guardei dele por todos esses anos. Essa bagagem pesada e árdua nunca foi minha.

- Devolvo a ele suas bagagens com 20 anos de ressentimento guardado. Estou leve, enfim!

Eu tenho vivido como a cuidadora de todos, mas esqueci de cuidar de mim... No meu imaginário, eu não via a necessidade de pausar as coisas para o meu próprio benefício. Isso acaba aqui.

Eu vivo com raiva por ter perdido os meus avós tão cedo e no melhor momento da minha vida, mas não me dei conta de que o ciclo deles foi lindo e findou no tempo que tinha que findar. Não foi culpa de ninguém, nenhum de nós foi omisso ao não perceber que a nossa abuela havia sofrido uma leve isquemia, provavelmente numa pequena queda em casa. Nós não tínhamos como saber e agora eu entendo e me perdoo.

Também não tínhamos como entender que para o abuelo, viver sem ela era o mesmo que não respirar. Ele precisava findar o seu ciclo que não fazia mais sentido sem ela.

Eu vivo há quase 3 anos com raiva e com culpa, tentando entender como não percebi que a minha mãe estava doente... A culpa e a raiva foram crescendo dentro de mim a ponto de me fazer paralisar. Eu decidi que simplesmente não quero mais viver com raiva e brava, cansada, com medo.

- O curto ciclo dela precisava acabar aqui, mas seguir em um lugar melhor. Agora eu sei!

Ali, deitada em posição fetal, no chão do meu banheiro, finalmente entendi que eu não tenho mais que estar brava o tempo todo para que as coisas façam sentido. Eu não preciso mais do filtro da raiva para validar o que eu sinto.

Eu finalmente pude me olhar nos olhos e voltar lá atrás, no auge dos meus 10 anos de idade, abraçar aquela garotinha que eu fui e dizer pra ela que tá tudo bem não ter o controle de tudo, que aquele fardo que ela pegou pra si era injusto e grande demais pra alguém tão pequeno.

Eu nos liberto da culpa, da raiva, do rancor, do medo e da total incapacidade de ser resiliente consigo.

Eu cansei de estilhaçar espinhos por aí, cansei de chorar pra dentro, cansei de segurar a represa que habita em mim.

Essa ruptura e a coragem pra transgredir surgiram quando eu menos procurei, mas me abraçaram no momento certo.

Eu me perdoei, me curei e me amei como nunca antes... Como nunca ninguém será capaz de amar.

Foi lindo, é lindo e seguirá sendo lindo.

Desejo com cada fibra de mim que todas vocês possam se olhar e se perdoar, desaguar, explodir, despedaçar e recomeçar numa jornada de auto amor, autocuidado e auto afeto.

Desejo uma linda ruptura pra vocês, irmãs!

Até a próxima.


Por Amanda Alves Rodrigues

Comments


bottom of page