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Quem salva a salvadora?



Outro dia ouvindo um episódio do podcast Bom dia, Obvious! Idealizado e comandado pela Marcela Ceribelli, dei play no episódio " A sobrecarga da mulher salvadora". Foi brutal. Paulhada. Tapa na cara.


Compartilhei com quase todas as minhas amigas porque somos uma legião de salvadoras. Salvamos os pais, os amigos, irmãos, parceiros (as). Vivemos no modo salvadora 24h por dia, sem respirar, pausar e se questionar sobre esse "trabalho" árduo que é ser a salvadora.


Eu senti o peso dos meus anos de salvadora pairando sobre mim. Ele se refletiu no prateado dos meus precoces cabelos brancos, no enrugado da minha testa que vive franzida, naquela dor eterna nos ombros e nas costas.


Eu senti meu corpo pender, quebrar, afundar.


Eu fui ouvindo cada minuto daquela breve reflexão e os insights foram brotando na minha cabeça. Quem salva a salvadora? Desde quando eu me tornei a salvadora? E, mais importante de tudo, por que eu me transformei na salvadora?


Na terapia desta semana eu trouxe alguns recortes desse insight como, por exemplo, como eu me apego a dor, ao sacrifício, as renúncias... E falando com a minha psicóloga eu fui me sufocando, como se todo o meu corpo dissesse que eu também precisava ser salva.


Fui entendendo que eu trazia isso de lugares mais antigos. De subsolos escuros e empoeirados. Eu fui potencializando a minha salvadora com o passar dos anos, me anulando, negligenciado, apagando.


Como consequência, eu desenvolvi uma capacidade absurda de me machucar, julgar, culpar, punir. Eu sempre sou a minha maior inquisidora, sempre acho a grama do vizinho mais verde e sempre acho que eu dou conta de tudo, mas a bem da verdade é que eu não dou conta, vocês não dão... Provavelmente nós nem queremos dar conta dessa sobrecarga absurda que arrastamos ano após ano.


Eu tenho feito um trabalho árduo de me resgatar no meu estado mais íntimo. Me abraçar em todas as versões, resgatando todas aquelas que foram se apagando por aí... Não tem sido fácil olhar pra trás e perceber que falhei não por não chegar no ideal daquilo que eu projetei como sucesso! A grande questão pra mim tem sido entender que eu falhei comigo e com cada versão minha que foi soterrada por tantos deveres, excelência, perfeição e todas essas cargas arrastadas por mim a la Sísifo.


Eu confesso que ando cansada de performar força o tempo todo. Coragem e positividade. Talvez, a minha maior demonstração de força seja justamente me quebrar em mil pedacinhos pra depois recomeçar de forma mais leve, fácil, tranquila.


Outro dia falava com uma amiga sobre como romantizamos a exaustão, a dor, o sacrifício... Como fomos equivocadas quando distorcemos nossa visão de sucesso e absorvemos o "ser bem sucedida" com negação. Eu me neguei, vocês se negaram e vivemos nessa geração de mulheres que se negam constantemente em prol de algo.


Até quando? Qual o preço?


Parte de mim ainda acha que precisa trabalhar duro, cansar, se levar ao limite pra ter valor. É como se precisasse passar por toda dor, suor e lágrimas para valer a pena, faz sentido pra vocês? Talvez o racismo nos atravesse até nisso, ao ponto de que para termos nossa jornada validada, precisamos nos levar ao ápice do sofrimento e da dor. Só tem valor se for conquistado arduamente.


Outra parte minha quer fugir dessa parte obscura e cega... Quer se salvar, mesmo que a reflexão aqui seja justamente nos tirar do papel da salvadora...Será que se for pra salvar a si mesma vale?


Essa parte que está na beira do portal quer paz, quer silêncio, quer um peito leve, limpo, calmo. Essa parte quer que todas as meninas da próxima geração, sobretudo as negras, não se sintam obrigadas a carregar esse peso descomunal da dor, da luta, da guerra. Essa parte só queria ter entendido, há tempos, que ninguém precisa da Salvadora... Talvez a salvadora é que precise dessa espiral de salvamentos, faz sentido? Pra se validar, pra ter sentido, pra se sentir importante, como se tudo o que já somos não tivesse importância.


- Que difícil essa nossa missão, girls!


Essas são as vozes que ecoam dentro de mim... Parte é luz, parte é sombra. Elas seguem em conflito, trabalhando de forma constante em busca de paz. Ainda não sabem qual o ponto de equilíbrio, mas sabem que ao perpetuar este mito da fortaleza constante e da exaustão como régua de validação, apagam não somente a nossa história, mas a história daquelas que não tiveram direito ao leve, fácil e doce.


Aqui, na beira do portal, eu olho pra todas as minhas versões e penso que levá-las para o outro lado será minha última missão como salvadora.... Desta vez, salvadora de mim, de nós!


- Mãe e abuelas, eu queria poder voltar no tempo e estender um tapete de flores pra vocês... Queria ter entendido antes, que o que vocês me injetaram não foi força descomunal ou excelência. Foi o contrário disso, foi um caminho mais livre. Eu prometo honrar as renúncias que vocês fizeram. Vou nos libertar!


Até a próxima, irmãs!

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