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Primeiro dia – parte 2 (Você acredita em anjos?)

Já são quase 16h da tarde, saí do Hostel para caminhar às 7h30, fiz poucas paradas para não perder o ritmo, mas uma queda de joelhos e o despreparo me mostrou que não seria fácil esse trajeto de 27km entre trilhas e montanhas. Estou sentada no acostamento da estrada, com muita dor no joelho pensando se vou conseguir chegar em Roncesvalles. Choro muito é um choro de raiva, medo, frustração e dor, não consigo parar, então grito! Alivio o peito e fico em silêncio pensando o que fazer. Pedir carona? Seguir? Não vejo mais nenhum peregrino vindo, todos já passaram por mim e devem estar chegando ao hostel da cidade. Respiro fundo e tento levantar, de longe eu vejo uma coreana se aproximando, ela caminhava devagar e levava só uma sacolinha na mão e uma pequena mochila nas costas, pequena mesmo. Ela para pergunta se estou bem, nessas alturas já não sei disfarçar – com a cara inchada e vermelha seria difícil – então digo que machuquei o joelho e que está difícil continuar, ela me olha e tira a mochila das costas, pega um potinho pequeno com tampa verde, e fala para eu passar onde dói, pergunto o que é, e ela só me diz que é uma pomada e que vai ajudar.

Sento no chão novamente levanto as calças até o joelho e passo a pomada, ela me olha com olhar de aprovação, me diz para passar atrás do joelho também, faço tudo o que ela diz, entrego a pomada para ela, que guarda e se despede com um até logo. Eu sinto meu joelho ficar muito gelado e em minutos a dor tinha passado. Eu levantei, coloquei a mochila nas costas e segui, devagar, passo por passo, faltava pouco. A dor tinha desaparecido! Não me perguntem o que era! Não faço ideia, mas estava passando minha dor e me colocando de novo no Caminho, caminhando eu via a Coreana, e ela se virava para me ver. Enfim, juntas chegamos em Roncesvalles. Meu anjo número 1.

Quando cheguei na cidade, que estava toda coberta de neve, não conseguia acreditar que o hostel estava a poucos passos! O chão molhado e perigoso para escorregar já era pista de patinação dos peregrinos que já estavam hospedados, celebrando o primeiro dia. Eu precisava me registrar no hostel e receber o primeiro carimbo no passaporte. Na fila para o “chek in” sou a última, um rapaz a minha frente se cadastra e pega a número da sua cama, na minha vez a hostes diz: Desculpe, não tem mais vagas. O próximo hostel é há 2km daqui, só seguir pela estradinha por onde tu chegaste.  Eu sentei na cadeira que tinha em frente a sua mesa, porque não conseguia imaginar eu caminhando mais dois metros, quem dirá quilômetros. Fico visivelmente abalada e sem reação, o rapaz que tinha se cadastrado antes de mim e pego a última cama, me toca no ombro e fala: Minha cama será sua cama, tu ficas e eu vou. Me virei ainda atordoada para agradecer mas ele já tinha seguido. A hostes me olha emocionada, pega meu passaporte para o registro e solta: que rico anjo. Não sei como ele se chama, mas sim, foi meu anjo número 2.

Tiro minhas botas pego minhas coisas e vou para o banho! A água estava gelada, e fazia uns 4 graus na rua. Ok, fico uns minutos com o joelho na água, gelo para que né? Mas não consigo relaxar o corpo. Nesse hotel está incluído uma janta por pessoa, que será servido no salão principal, que inclui entrada, prato principal, sobremesa e pasmem uma garrafa de vinho por pessoa, isso tudo por 10Euros, incluindo a noite. Vou me jogar nessa garrafa e dormir! Sento no balcão do bar e peço um licor para me esquentar, o rapaz do bar, Amabel me pergunta como foi o primeiro dia. Conto minha jornada e que estou seriamente pensando em desistir, um médico que estava ao lado, também peregrino pergunta se pode olhar meu joelho, surpresa digo que sim! Ele não vê uma lesão muito grave, além da batida, que não me impediria de seguir, mas a escolha era minha. Amabel, que secava os copos diz que se eu quiser desistir, que eu o faça, mas que eu não me sinta culpada, pois meu corpo alertou. Mas se eu quiser seguir, eu vou conseguir , pois a dor física também é um obstáculo e uma prova – dorme, e amanhã se acordares melhor, caminha e siga em frente.

Acordei no outro dia, às 7h com todos os peregrinos se arrumando para sair, desço da cama e meu joelho está inteiro, sem dor e forte. Lembro das palavras de Amabel todos os dias. Nosso corpo é a máquina, mas nossa mente é o combustível! Acordar e seguir em frente! Meu anjo número 3.

Por Gabi

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