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Presa em mim!


“ Como eu cheguei a esse ponto?”. “ Por que eu estou tão brava?”. “Eu não sei por onde recomeçar”.

Naquela tarde de sábado, ali, sozinha, eu me fiz esses questionamentos e não encontrei respostas.

O silêncio do meu lar pairou sobre mim, gritando ferozmente “ Levanta daí!”.

Por que eu não pude levantar? Por que o medo me deixou paralisada novamente?

Sentada naquele sofá, os meus olhos percorreram cada canto daquele apartamento milimetricamente organizado por mim. Eu lembrei da menininha que arrumava a casa e sonhava com o dia em que seria o seu próprio lar.

Das almofadas arrumadas, aos quadros alinhados, eu percorri cada canto daquele lar contemplando a jornada até aqui.

Nesse passeio encontrei na esquina do quarto com o banheiro a velha amiga Raiva. Ela estava ali, gritando comigo, esbravejando e me pedindo pra levantar. Já estivemos em lugares mil vezes piores do que o atual, então por qual motivo não nos movemos dali?

No quartinho eu encontrei a Insegurança, sentada, encolhida, me olhando com os olhos marejados e me pedindo colo. Ela, assim como eu, não sabia como recuperar a força necessária para enfrentar o medo do Novo.

Por falar em Novo, quando entrei no meu quarto a Esperança me recebeu com os braços abertos e me convidou a entrar, sentar e conversar. Me disse que “ O novo sempre vem”, como naquela letra que eu tanto amo e com ele novas energias surgem, novos caminhos se desenham e, assim, ela se renova.

- Ela me disse que nunca me abandonou, mesmo nos momentos em que os meus olhos não puderam vê-la, ela sempre esteve lá.

Ao sacudir o lençol limpo e cheiroso, a Tristeza deu o ar da graça e me deu um “ Oi” meio tímida, meio envergonhada. Afinal, ela não se fazia presente de forma tão inflamada há alguns meses. Nos olhamos e os nossos olhos transbordaram. Inundaram. Aquele azul sem fim nos levou para longe dali. Naquele lugar místico eu encontrei mil versões de mim. Todas elas perfeitamente alinhadas, cada qual em seu lugar. Cada qual com a sua função. Todas ali, esperando por mim. Quando ocupei meu lugar naquele grande Conselho, olhei para todas nós com tanto orgulho que os meus olhos transbordaram de amor e admiração.

A Amandinha que eu fui com 11 anos de idade tomou conta do lugar e me pediu pra lembrar que eu estava vivendo grande parte das minhas orações. Nos lembrou do que enfrentamos com tão pouca idade e do quanto nos abandonamos de lá pra cá. Pediu pra eu sempre voltar pra Nós! Também pediu que eu fechasse os olhos e lembrasse do quanto pedi pra estudar naquele lugar que fazia os nossos olhos infantis ficarem atentos e curiosos. Nós pedimos com cada fibra do nosso corpo para estudar lá. Nós conseguimos! Nós pedimos por um Lar e conseguimos! Nós pedimos por um amor tranquilo e também conseguimos!

A Amanda de 15 anos chegou encolhida e assustada. Com a voz baixa, pediu pra eu lembrar do medo que sentíamos de não ser boa o suficiente, capaz o suficiente, amada o suficiente. Pediu pra lembrar das vezes que nos colocamos em situações tóxicas só porque não conseguimos dizer NÃO! Pediu pra lembrar de todas as vezes que nos olhamos no espelho e por de trás de todas as camadas de maquiagem, blusas decotadas e calças apertadas, buscamos incansavelmente por nossa melhor versão. Nós conseguimos e mais uma vez descobrimos que sempre fomos Suficiente!

A Amanda de 20 anos chegou carregada de ímpeto e determinação. Nos olhou com recriminação, afinal aquelas versões foram soterradas no fundo dela que apodreceram. Ela esqueceu das versões anteriores e precisou performar desenvoltura, coragem, destreza e ousadia. Ordenou que eu lembrasse de tudo o que pedi naquele dia em que fomos para a prova do vestibular. Para o primeiro dia de aula na tão idealizada faculdade. Na garra e foco em cada semestre regado a medo, dívidas e mais dívidas, incerteza e coragem. Nós conseguimos vencer todos os obstáculos e, mesmo com tantas perdas, potencializamos as vozes das nossas ancestrais. Viramos farol!

A Amanda de 25 anos nos olhou do alto do seu salto, com a confiança que o seu batom vermelho passava. Sentou e nos pediu pra agradecer por tudo o que conseguimos até aqui. Pediu pra jamais esquecermos de quem somos, de onde viemos e pra onde vamos. Ela nos lembrou que a jornada até aqui não foi fácil, mas que nós entendemos que não há nada nesse mundo que possa nos parar. Amamos o impossível!

- Ela nos libertou!

A Amanda, de 30 anos, veio como uma mãe, me olhou profundamente e me pediu pra olhar ao redor, para todas aquelas versões de mim. Pediu que eu me esforçasse um pouco mais e que olhasse para além de todas elas. E aí eu pude ver que cada uma delas tinha mais mil versões suas por trás. Ali, no meio daquele exército de versões minhas, eu vislumbrei uma versão mais velha. Cabelos brancos. Olhos puxadinhos, delineados pelas linhas que contornam o passar dos anos nos meus olhos. Essa versão me mostrou a linha que me conectava a cada mulher que veio antes de mim. Eu vi minha mãe novinha, atravessada por todos os medos que eu senti em cada uma dessas fases. Vi o seu medo marcado pelo sexismo, racismo, etarismo.

Mamãe, na sua versão de 30 anos, me pediu pra lembrar do caminho até aqui, mas, principalmente, pediu pra apreciar a jornada antes de chegar no topo da montanha. Me abraçou e me disse que tudo bem não saber como recomeçar. Na hora certa eu vou saber!

A Amanda de 32 anos voltou desse passeio, se olhou no espelho e com os olhos encharcados se abraçou. Por ela e por todas as suas versões. Se perdoou por todas as vezes em que se culpou, hostilizou e se sentiu insuficiente.

De volta no meu sofá eu revisitei com outros olhos cada detalhe do meu lar. Sorri e agradeci por estar vivendo grande parte das minhas orações.

Eu consegui ser o meu próprio lar!

Até a próxima, irmãs!


Por Amanda Alves

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