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Por uma legião de DESCONTROLADAS!


Loucas, descontroladas, histéricas...É como nos chamam quando o lugar historicamente relegado às mulheres finalmente nos encontra.

Estamos em 2021 e ainda precisamos reforçar o óbvio e dizer que sim, lugar de mulher é onde ela quiser. É o que fez lindamente a senadora Simone Tebet (MDB), após ser chamada de " Descontrolada" por Wagner Rosário, ministro da Controladoria-Geral da União (CGU).

Esse pensamento machista, retrógrado e tão enraizado em Wagner e também na cultura patriarcal a qual vivemos, demonstra nitidamente que ainda vivemos numa caça às Bruxas regada ao espectro social da agressão cultural às mulheres.

Chamam de Bruxas todas aquelas que desafiam os estereótipos pré-concebidos, de forma opressora, para tipificar, calar e desqualificar mulheres brilhantes que, não fosse a estrutura machista a qual vivemos desde que o mundo é mundo, arrastariam consigo uma legião de tantas outras mulheres geniais que foram apagadas pelos silenciamentos da história.

Simone de Beauvoir, de forma atemporal, ponderou que " basta uma crise política, econômica ou religiosa para que os direitos das mulheres sejam questionados. Esses direitos não são permanentes".

Na linha Beauvoiriana, destaco que essa vigilância da qual nos alertou Simone segue latente em nosso dia a dia quando constantemente vemos os direitos das mulheres serem revogados como um papel amassado, jogado no lixo.

Ainda hoje, em pleno ano de 2021, vemos mulheres sendo atacadas, em plena luz do dia, por Pseudos Machos, quando são agredidas e abusadas num simples passeio de bicicleta, como ocorreu recentemente no estado do Paraná.

Ainda hoje, nos deparamos com meninas sendo tipificadas por listas misóginas que as classifica como a " Mais gostosa" e " Não pegável", conforme ocorrido em famosa escola particular de Porto Alegre ou, ainda, quando meninas que foram assediadas por um professor, se juntam em protesto ao ocorrido e são hostilizadas por um grupo de pais da tal escola que culpam o feminismo por sua “ ideologia de gênero comunista”, mas não culpam o assediador de suas próprias filhas. Isso, senhoras, é o maior exemplo do quão soterrados estamos.

Ainda hoje, nós seguimos na base da pirâmide social, servindo de óleo para as engrenagens do patriarcado, mas sendo esmagadas pelos fantasmas da Inquisição.

Ainda hoje, mesmo que sejamos número expressivo nas universidades e cursos de qualificação, recebemos remunerações inferiores para desempenhar as mesmas tarefas que os homens.

Ainda hoje, nos tempos da " Emancipação Feminina", somos responsabilizadas pela criação dos filhos, pelo “bom andamento dos nossos lares”, pelo zelo com a família e mais uma pilha de tarefas que arrastamos como correntes pesadas.

Nós, as ditas " Descontroladas", seguimos acumulando tarefas atrás de tarefas, horas e horas de trabalho remunerado e também aquele que não é remunerado, tão pouco valorizado. Ironicamente controlando os descontroles aceitáveis dos homens. E nós somos descontroladas?!

Nós, do clube das " Descontroladas", seguimos sendo inferiorizadas se demonstrarmos nossas emoções, julgadas se fugirmos do papel esperado de nós, sentenciadas se ousarmos contestar as estruturas desse sistema que foi feito por homens e para homens.

O ataque à Senadora Simone Tebet demonstra, de forma prática, o quão impregnado está no inconsciente e na esfera social que não devemos ter voz, que o cenário político não nos pertence. Esse entendimento coletivo da masculinidade fica mais perceptível quando as mulheres ainda são minoria nos ambientes políticos. Esse pacto perverso, nada mais é do que o medo de que as normativas que validam e beneficiam seus direitos sejam revistas e/ou revogadas.

Quando uma Senadora, como Tebet, no exercício de seu mandato é chamada de " Descontrolada" em um plenário, entendemos que precisamos ir mais fundo, que precisamos sim perder o controle e sermos ostensivas contra esse gigante que é o PATRIARCADO.

Nas palavras de Simone Tebet:

"Quando a mulher começou a buscar espaços de poder, ela passou a ser taxada de uma pessoa histérica, uma pessoa louca, uma pessoa descontrolada. Essa palavra não vem à toa, ela está no inconsciente daqueles que ainda acham que mulheres são menores, inferiores”.

A mensagem embutida no insulto à Senadora traz consigo muito mais do que vociferações misóginas, mas também estampa dados que são assustadores se pensarmos que estamos na dita 4ª onda feminista e, ainda assim, as mulheres seguem na base.

O Brasil está no 152º lugar no ranking internacional da Inter-Parliamentary Union sobre a presença feminina nos parlamentos, ficando atrás não só dos vizinhos México e Argentina, como também de países como a Somália e até o Afeganistão, pasmem vocês, antes da volta dos talibãs ao poder. Elas ocupam apenas 15% das cadeiras do Congresso Nacional.

Esses dados apenas reforçam o entendimento coletivo de que precisamos de uma frente política feminina plural e que seja representativa. Precisamos que mais mulheres ocupem cargos de liderança política para que os regimentos sociais sejam feitos por nós e também para nós. Precisamos de projetos de Lei como o proposto pela Vereadora Laura Sito (PT-RS), que estabelece que o município garanta salas de apoio ao aleitamento materno para suas servidoras em seus locais de trabalho, afinal somos mães e também somos profissionais, ou como o Projeto de Lei 4968/19, da deputada Marília Arraes (PT-PE) e outros 34 parlamentares, que prevê a distribuição gratuita de absorventes higiênicos para estudantes dos ensinos fundamental e médio, mulheres em situação de vulnerabilidade e detidas.

Iniciativas como essas demonstram a necessidade de políticas públicas que contemplem as demandas das mulheres dentro de uma visão macro e interseccional. Somado a isso, também é necessário que nós nos façamos presentes seja no cenário político como parlamentares, mas também como agentes civis das políticas sociais que também nos contemplam.

Em síntese, é necessário o entendimento universal de que precisamos arregaçar as mangas e promover no mundo as mudanças que precisam ser feitas... Essas mudanças precisam ser promovidas por nós e para nós... Até porque já sabemos como o curso das coisas seguiu até aqui, sabemos que as nossas demandas nunca foram/serão ouvidas a não ser que nossas vozes sejam amplificadas por um megafone macro de todas nós juntas!

Seja no nosso ambiente de trabalho (que segue segregando as mulheres), escolar e até mesmo social, precisamos dissolver esse acordo coletivo feito pelos homens e que os mantém até hoje no topo da pirâmide social.

Que sejamos loucas, bruxas, histéricas, descontroladas. O que eu quero é justamente essa legião de DESCONTROLADAS como uma avalanche pronta para levar consigo anos de opressão, de silenciamentos e invisibilidade.

Que a nossa histeria os faça tremer e que o nosso descontrole os tire desse sono injusto e confortável (referenciando a grande Conceição Evaristo).

Que sejamos essa legião de DESCONTROLADAS!

Até a próxima, irmãs!

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