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Oito de março: comemoração ou denúncia?

Marlene Neves Strey

Oito de março está chegando e provavelmente inúmeros eventos estão programados para comemorar o dia internacional da mulher. A pergunta é: comemorar o que? Se a memória não me falha, as instituições feministas praticamente sempre utilizam a data para denunciar os problemas, dificuldades e discriminações sofridas pelas mulheres nas diferentes sociedades e culturas. Por outro lado, em nível mais pessoal e, às vezes, corporativo, a ideia é fazer homenagens às mulheres. Flores, bombons e pequenas lembranças assinalando o quanto são maravilhosas, imprescindíveis etc. Nada a ver, obviamente, com o fato de poucas serem as que podem e conseguem alcançar boas promoções a cargos diretivos nas empresas; a serem sobrecarregadas com o cuidado da casa, dos/as filhos/as, enfermos/as, idosos/as mesmo quando exercem atividades remuneradas; a serem assediadas, abusadas, violentadas sempre que se apresenta a oportunidade. Enfim, um presentinho, um afago, uma rosa para compensar a falta do que realmente importa.

Então, decididamente, o oito de março tem que ser utilizado para denunciar tudo o que ainda falta fazer para conseguirmos a verdadeira igualdade. Pelo menos entre mulheres e homens, para não falarmos agora de todas as outras desigualdades que proliferam por aí.

Denunciar. Isso mesmo. No entanto, basta denunciar? Sabemos que é imprescindível esse primeiro passo, mas não podemos ficar apenas nele. Para mim, um aspecto muito importante é a questão da educação desde o berço. Não só a familiar, mas a educação formal, que envolve as instituições escolares de todos os níveis. Primeiramente, porque a educação familiar é um mundo demasiado heterogêneo e enclausurado, difícil de atingir em sua cultura, tradições e silêncios. O que não significa que não possam ser realizadas campanhas para mostrar o quanto algumas práticas pedagógicas são daninhas a meninos e a meninas em crescimento. E essas campanhas não devem ser apenas as governamentais, mas também as dos meios de comunicação que são cientes de sua importância e responsabilidades, as das religiões, da vizinhança, das amizades e parentescos. Todas as pessoas conscientes dos males do machismo, por exemplo, deveriam ser promotores de campanhas pessoais para erradicar esse fenômeno.

Agora a escola, essa deve ter um papel fundamental na erradicação da desigualdade. O lugar que a sociedade lhe outorga a coloca como a fonte de verdade mais apreciada e acatada. É o lugar perfeito para falar de gênero, de violência, de igualdade/desigualdade, de justiça e liberdade. Tanto é assim que vemos, cada vez mais, tentativas e ações, as vezes violentas, para sufocar as possibilidades da escola formar pessoas conscientes e capazes de pensar pela própria cabeça a partir de uma boa reflexão sobre o mundo e as suas circunstancias.

E não podemos esquecer os homens, seres humanos do sexo masculino e o que podem e devem fazer para modificar este mundo para melhor. Eu me permito trazer algumas ideias sobre o assunto do escritor espanhol Ritxar Bacete. Para esse escritor, os homens não são culpados por serem homens, mas são responsáveis pelo que fazem. Segundo ele, ainda existe um modelo de masculinidade tóxica que sobrevive no século XXI e que está na base das muitas resistências a mudança na direção de uma maior igualdade e também de apoio a movimentos como o MeToo ou Time´s Up. Ritxar Bacete salienta que os homens tem que questionar a si mesmos: quem sou eu neste novo mundo? O que é ser homem hoje em dia? O que se espera de mim? Sou um homem justo? Posso mudar? Devo mudar? Como me relaciono com os outros homens? Como me relaciono com as mulheres? Sou um bom pai? Estabeleço relações igualitárias com as mulheres do meu entorno? Ultrapassei alguma vez a linha vermelha nas minhas relações? Sou machista? Sou livre? Poderíamos acrescentar inúmeras outras questões que os homens poderiam fazer a si mesmos. O escritor supõe que, se neste século continuam certas ideias e práticas tão ultrapassadas é por incapacidade do velho modelo de adaptar-se a uma realidade emergente que segue gerando, resistências a mudanças e que alimenta o desassossego ou a vitimização masculina. Ele segue, lembrando que o sexismo tem impacto também sobre os homens, pois eles vivem, em média, sete anos menos que as mulheres; são, em nível global, 95% dos homicidas; 93% dos delinquentes; 74% dos suicidas; 95% dos falecidos em acidentes de trabalho. Mas também as mulheres teriam que fazer-se muitas perguntas sobre como se relacionam com si mesmas, com as outras mulheres, com os homens, com as desigualdades, os assédios, as injustiças.

A mim, me parece que aceitamos muito rapidamente as respostas pré-fabricadas que nos dão e fazemos perguntas de menos. Por exemplo, o que nós, as mulheres, pensamos sobre a Greve convocada internacionalmente para as mulheres no dia oito de março? Estou fora do Brasil e não consigo ter uma ideia clara sobre como essa convocação está repercutindo no nosso País. Mas, na Europa, pelo menos, está em todas as chamadas dos meios de comunicação. Se será bem sucedida ou não, é uma incógnita, mas mostra pelo menos uma força potente de disseminar questões sobre o mundo que as mulheres vivem e sobre o oito de março em particular. Vamos pensar a respeito.

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