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O perigo das banalidades

Conforme dito por Patricia Hill Collins: “O feminismo tem que ser cuidadoso para não se tornar muito “popular” porque, se isso acontecer, torna-se sem sentido…. Ele pode se transformar em ‘eu sou feminista porque eu uso uma determinada camiseta’ (…). Você pode estar dentro [do feminismo] em um dia e fora no outro”

E com essa premissa fundamental é que trago essa reflexão acerca do ocorrido no grenal do último domingo, em que uma moça, supostamente torcedora do grêmio, tirou a camisa do time, ficando com os seios à mostra, no intuito de comemorar o gol que deu a vitória daquela partida ao tricolor gaúcho.

Após o ocorrido, a moça foi convidada pelo programa de rádio Bola nas Costas, da rádio Atlântida, para falar sobre ocorrido. E então vem o grande o problema de todo o espetáculo… O único intuito da moça era aumentar seus seguidores nas redes sociais e ganhar visibilidade, o que a tornaria uma Subcelebridade, profissão mega rentável no Brasil.

Quando questionada por um dos apresentadores do programa, a “Menina da Arena”, apelido que ganhou depois da partida, revelou que “Sempre fui bem ousada, já fiz isso em restaurantes, outros lugares. Gosto dessa adrenalina. Foi meu primeiro jogo na Arena”. Indignado com a declaração, um dos jornalistas simplesmente se retirou do programa , sob o argumento de que o objetivo da menina, isto é, os 15 minutos de fama, já havia sido atingido e que era deprimente vê-la usar o  seu suposto “empoderamento”, de forma tão banalizada e fútil.

Argumentou ainda, que o movimento feminista é tão importante e que vem abrindo para as mulheres espaços majoritariamente masculinos, como os estádios de futebol, logo, atitudes como estas vão de encontro ao intuito da luta por igualdade dentro desses espaços.

Obviamente que a moça em questão usou a carta da misoginia para contrapor o argumento do tal jornalista. Para justificar sua atitude, usou como exemplo a nudez da Globeleza e das rainhas de bateria no carnaval – como se estes corpos nus e extremamente objetificados desde sempre fossem parâmetro ou aceitáveis -.

De fato, eu concordo que vivemos numa sociedade que sempre tratou a nudez feminina como tabu, como algo pecaminoso, portanto, errado, proibido, a não ser quando utilizado para satisfazer o desejo sexual masculino. Sempre me questionei, por exemplo, porque os meninos podem andar livremente sem camiseta no verão, enquanto nós somos observados por todos os olhos inquisidores dessa sociedade perversa em que vivemos, ganhando como adjetivo os rótulos mais absurdos.

Porém, neste caso, não posso deixar de pensar que o feminismo e a palavra EMPODERAMENTO, estão sendo banalizados e, consequentemente, desvalorizados, desviados da sua etimologia principal.

Nesse sentido, refletindo sobre o tal episódio, me veio à cabeça um dos livros que mudou minha percepção sobre a palavra da moda (Empoderamento). Trata-se do livro escrito pela arquiteta e colunista do ‘Justificando’, Joice Berth, chamado “O que é Empoderamento?” (Editora Letramento). Neste trabalho incrível e absolutamente necessário para o rumo que desejamos para nossa sociedade, Joice explica de modo didático o conceito de EMPODERAMENTO. Segundo ela, “O poder que sugere a palavra não tem nada a ver com o conceito. Na verdade, o limita, já que o conceito transcende e, muito, o entendimento à primeira vista da palavra. Como exemplo, basta lembrar que uma das formas mais comuns de ver a palavra é por alguém dizer “fulana(o) se empoderou”.

No entanto, como Joice explica em sua obra,  ninguém se empodera sozinho. “Empoderamento é um processo de simbiose entre o individual e o coletivo por uma transformação social profunda. É um instrumento de luta por emancipação e erradicação das desigualdades, que perpassa diversos campos das nossas vidas”. Logo, mostrar os peitos num jogo de futebol, com o único objetivo de angariar seguidores no Instagram, está a milhas de distância do que significa ‘Empoderamento Feminino’, se pensarmos no conceito cunhado por Joice.

Nessa linha, gosto de usar como um exemplo palpável o filme Pantera Negra da Marvel, em que o povo liderado pelo príncipe T’Challa vive num país que não sofreu nenhuma influência dos colonizadores, logo, as mulheres e homens negros, por exemplo, têm em sua indumentária traços típicos da cultura negra, seja no cabelo, roupas, acessórios. Em Wakanda não há racismo, desigualdade, pobreza. Em contrapartida, os negros do resto do mundo, que não estão protegidos como os negros de Wakanda, sofrem diariamente as mazelas do racismo, mesmo anos e anos após a escravidão. Portanto, o conceito de empoderamento dos negros wakandenses se torna falho, quando no restante do mundo milhares de irmãos negros sofrem, são mortos e discriminados pelo simples fato de serem negros.

Ou seja, enquanto a igualdade racial, social e econômica não for coletiva, nenhum indivíduo pode se considerar empoderado, lê-se liberto, enquanto um semelhante seu ainda é oprimido pela cor de sua pele ou por seu gênero, como no caso das mulheres.

Essa ideia se aplica completamente ao movimento feminista e ao conceito de emancipação feminina. Isto é, enquanto ainda existirem irmãs sendo objetificadas, massacradas, humilhadas, espancadas, mortas e violentadas pelo simples fato de serem mulheres, eu, você, nós que estamos numa situação confortável, que desfrutamos de uma certa “liberdade”, não podemos nos considerar livres se pensarmos que muitas mulheres ainda estão presas, mesmo que por correntes diferentes das nossas( parafraseando Audre Lorde).

O mesmo ocorre no caso dessa moça, quando alega ter o direito de se pelar, de mostrar seu corpo nu porque é ‘ Empoderada’. Obviamente ela e nós temos esse direito, no entanto, é assustador perceber que muitas mulheres utilizam o feminismo como justificativa para perpetuar pensamentos que são nitidamente individuais e até mesmo norteados pela cultura patriarcal.

Afinal, o que te faz pensar que é empoderador mostrar os seios com o único objetivo de angariar seguidores numa rede social? O que isso tem a contribuir para a verdadeira emancipação feminina, quando na verdade o teu único objetivo é lucrar?

Nesse sentido é que iniciei com a citação de Patrícia Hill Collins, em que afirma que esse ‘populismo feminista’, encharcado de más intenções é perigoso para uma causa tão maior, tão importante, tão potente. É com muita tristeza que vejo essas feministas por conveniência se apropriando de um movimento que visa o coletivo e não o individual.

Assim, entendo que é extremamente importante resgatar esses conceitos que estão se esvaziando nos dias atuais e trazer seus significados e compreensão de dimensão coletiva, para que um dia quem sabe possamos inflar o peito e gritar em alto e bom tom que sim, todos somos realmente Empoderados ( compreendendo que esse coletivo engloba muitas pessoas).

Sigamos fortes e resistentes!

Por Amanda Alves Rodrigues

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