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O masculino e feminino

Nos últimos dias tenho escutado muitas discussões sobre masculinidades e feminilidades. Embora, em alguns momentos o tema pareça já estar superado , pois hoje, em princípio, existe maior liberdade de sermos, homens ou mulheres, do jeito que quisermos, o assunto está longe de ser superado. Cada lugar em cada época tem elaborado complicadas regras para definir o que faz um homem, homem e o que faz uma mulher, mulher. As estratégias e as pedagogias para inculcar modelos ambíguos são inúmeras e persistentes. O mundo muda continuamente em função dos atos humanos que oscilam entre aceitar e rejeitar os mandados culturais. Por isso, quando pensamos que algo realmente não é mais do jeito que era “antigamente”, logo grupos inteiros mostram que o de “antigamente” continua vigente de uma maneira ou outra.

Essa é uma questão importante, pois, dependendo dos estereótipos que nos rodeiam e nos quais acreditamos, nossa vida pode se tornar fonte de sofrimento e culpa . Algumas estudiosas já demonstraram que, dependendo de como definimos as coisas, seja nós mesmas/os, o nosso autoconceito, seja o mundo, os jeitos de ser, os outros, a situação pode mudar drasticamente. Isso se dá porque podemos fixar nossa atenção a certos aspectos e afastar-nos de outros que talvez fossem mais importantes para nossa saúde mental ou para fazer deste mundo um lugar melhor para se viver. Para nós e os demais vivermos.

Por exemplo, parece ser algo muito de antigamente pensar que ser masculino é ser agressivo ou mesmo violento na solução de problemas, enquanto ser feminina é ser sensível, cordata e submissa aos desejos dos demais. Algumas pessoas, ao lerem isso, podem ficar chocadas, recusando-se a crer que alguém ainda acredite nisso. Outras ficarão ambivalentes, lembrando de homens francamente violentos que conhecem ou mulheres demasiado submissas que fazem parte de suas amizades. No entanto, outras pessoas concordarão piamente que é assim que deve ser e que, se assim não for, existe algo de errado com quem é diferente dessa maneira de ser, pois, afinal, a testosterona dos homens instigam a agressividade, por exemplo. Ninguém pode fugir de sua biologia!

A partir desse enfoque biológico, como ficam os homens que se consideram ou são femininos e as mulheres que se consideram ou são masculinas? É muito provável que iremos descobrir muito preconceito, limitações e sofrimento em suas vidas. Não só devido aos que os cercam, mas, talvez, àquilo que pensam de si mesmos/as por não se adequarem aos estereótipos ainda circulando por aí. Essa perspectiva biológica enfatiza as diferenças entre os homens e as mulheres, tais como habilidades mecânicas versus habilidades verbais, que aparecem cedo na infância e persistem através da vida adulta. Obviamente, se essas diferenças são inatas, devem permanecer estáveis, ou seja, as diferenças que são continuadas, universais e estáveis são enfatizadas em apoio à afirmação de que são determinadas mais pela natureza do que pelo ambiente. É nesse caldo de crenças que são formados os estereótipos de gênero que, por sua vez, são fundamentais na biologização de influências sociais e culturais. Dessa maneira ficam invisibilizadas as práticas costumeiras de criação de meninos e meninas. Eles vestem azul, ganham carrinhos e armas de brinquedo, são estimulados a retribuírem com força as violências sofridas na escola e na rua, a não chorarem e a escamotearem suas fraquezas e vulnerabilidades. As meninas, por sua vez, devem ser princesas vestidas de rosa, que crescem em meio a bonecas, panelinhas e fogões, treinadas a serem suaves, doces, submissas e delicadas. Por conta de toda essa delicadeza exigida, podem chorar à vontade, o que é chato, mas justificado por sua “natureza” frágil e fraca.

Ao ser algo fixo e que se transforma muito lentamente (quando se transforma…), os estereótipos limitam as possibilidades de desenvolvimento pessoal ou grupal em uma direção mais livre ou atípica. Quase todas as pessoas costumam ficar um pouco perturbadas quando um comportamento não esperado se apresenta, pois, no fundo, acreditam que homens e mulheres são psicologicamente distintos e isso parece incentivá-las a perceber-se a si mesma de maneira congruente com seus próprios modelos de gênero.

Assim, essas discussões, aparentemente já sem sentido na contemporaneidade, continuarão a se dar sobre o masculino e o feminino, as masculinidades e as feminilidades, os homens e as mulheres. Combustíveis para essas inflamadas ideias em oposição, conjunção, transformação, retrocesso ou inovação é o que não falta. Basta dar uma olhadinha nas redes sociais, nas conversas de bar e onde quer que estejam duas ou mais pessoas em interação. Velhas ideias e argumentos que jurávamos que estavam mortos e enterrados desde que a modernidade sucedeu à idade média se apresentam por aí mais vivos do que nunca. É bom prestar atenção.

Marlene Neves Strey

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