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O dia em que cheguei em Santiago de Compostela

O grande dia chegou! Faltam apenas poucos km para chegar em Santiago de Compostela. Depois da tempestade de neve que nos impediu de chegar à cidade de Arzua a pé, estávamos prontos para caminhar até Santiago. Não estava conseguindo imaginar ou processar a ideia de que aquele dia seria o último dia de despertar às 7h, arrumar a mochila, calçar as botas, colocar o protetor solar no rosto, proteger as mãos, alongar o joelho, respirar fundo e seguir. Sim, aquele era o último dia de caminhada que me levaria a Compostela. Estou triste, cansada, feliz, eufórica. A vontade de chegar é grande, mas será que estou preparada?


A caminhada se inicia, o trajeto é complicado, pois cruza muitas estradas e vias que ligam as cidades à grande Santiago. Começa a chover muito e preciso colocar a capa para me proteger, era domingo. Mas que belo domingo para se dormir o dia inteiro, não? Eu pensava o tempo todo, enquanto pessoas caminhavam e passavam por mim muito felizes. Eu realmente estava mau humorada, não queria chegar, queria chegar logo! Meu Deus que confusão! E assim eu seguia caminhando, hora reclamava da chuva, hora do cansaço, hora dos km que anunciavam a chegada. Meu cajado tinha uma tira de couro para apoiar a mão, com a chuva e o frio, não percebi que estava cortando a palma da mão, meu pensamento estava longe, principalmente das dores que já não eram poucas. Preciso parar e fazer um curativo, encontro um espaço debaixo de uma árvore e já toda molhada desisto de tentar colar um band-aind na mão! Amarro um pedaço de pano que tinha usado no joelho para dar firmeza. (Comigo era rootera, farmácia? Passei reto por todas! Não me pergunte porquê)!!


Realmente não estava sendo um dia fácil, eu estava muito mau humorada para encontrar alguma beleza naquilo, nessa história de chegar a Santiago. Ainda com  muita chuva e mais alguns km à frente eu vejo a placa, Bem Vindo a Santiago de Compostela. Cheguei? A chegada oficial do peregrino na cidade é até a Catedral de Santiago, construída entre os anos de 1075 e 1128, na época das Cruzadas, situada no centro histórico da cidade. Para você se localizar, vamos dizer que o peregrino chega pela freeway e precisa caminhar até a Catedral de Porto Alegre, no Centro. Você já está na cidade, mas a chegada, real e oficial é quando você está em frente à Catedral.

Pois bem, lembro que dei uma risada um pouco irônica, algo como: A HÁ HÁ, é isso? Trinta dias caminhando, passando por poucas e boas para chegar nessa cidade e ser assim? Uma chuva torrencial, carros, urbanidade!? Caminho mais um pouco e me rendo ao primeiro hostel que aparece, eu precisava de um banho quente e dormir! Meu mau humor estava me contaminando! Chego ao hostel encharcada, largo meu cajado e faço o chekin, a hostes me olha e muito feliz me parabeniza por eu ter chegado, e eu apenas respondo nada animada: aham! Obrigada, meu quarto fica onde? Ela me mostra e pergunta curiosa, você já foi até a Catedral? E eu digo que não, que recém tinha chegado e que estava muito cansada para ir até lá. Ela concorda que estava chovendo muito e que ainda faltavam uns dois km de caminhada. Ela me relembra um detalhe importante, era domingo 17h da tarde, tudo estava fechado, mas eu só queria tomar um banho e dormir.

Saio do banho e vou para minha cama, uma surpresa, meu colega da cama ao lado era o médico Sul Africano que cuidou do meu joelho quando caí no primeiro dia! Ele foi o único que conseguiu arrancar um sorriso do meu rosto aquele dia! Ele pergunta, já comeu? Você parece cansada, eu respondo que não havia me alimentado muito bem, mas só queria dormir. Ele não permite e me arrasta para a cozinha! Me põe sentada na cadeira, abre um vinho, corta alguns pães e faz uma mistura de azeite de oliva com tomates, pimenta e queijo e diz: Coma e beba! Você chegou peregrina! Depois de comer você pode dormir! Eu ri, mas obedeci, vai ver meu mau humor era mesmo fome! Devorei o pão inteiro e meia garrafa de vinho!


Eram 19h e eu já estava na cama, não demorou muito e peguei no sono. Um sono muito profundo que fazia tempos que não tinha, acordei às 8h da manhã, levantei e percebi que o médico já havia ido embora, ele foi até a Catedral. Olho pela janela e o dia está lindo! O sol está brilhando e penso comigo: mas que belo dia para chegar em Santiago de Compostela! Arrumo minhas coisas muito empolgada! Mal tomo café e já saio pela rua seguindo as flechas que me levariam para o destino final! Minha garganta começa a dar um nó, quando percebo que quanto mais eu me aproximava da Catedral, mais as pessoas me olhavam e sorriam! Eu seguia caminhando e conseguia escutar das janelas um: Vivaaa! Em alto e em bom som, e era pra mim! As pessoas passavam por mim e gritavam! Dale! Dale! Outras batiam palmas! Eu seguia caminhando e recebendo aquela enxurrada de carinho e motivação para completar os últimos passos. Entro em uma ruela escura e ela me leva até a praça onde fica a Catedral, olho a minha esquerda e lá esta ela, imponente e linda. Caminho até o meio da praça e sento no chão! Ali observo o que estava sendo incapaz de perceber, que na verdade a chegada não significa nada, mas sim tudo o que tu viveu e passou para estar ali, onde dizem terminar. Peregrinos começam a surgir das ruelas, alguns conhecidos outros não e ali sentada observei a alegria de todos! Alguns se ajoelhavam, outros pulavam incansavelmente abraçando os amigos, outros só sentavam como eu e contemplavam!


Avisto de longe uma senhora caminhando com os braços para traz pela praça, parece moradora da região, ela caminha e olha todos aqueles peregrinos, que deve ser rotina para ela, mas ela se aproxima, me olha e diz: Muy bien você conseguiu! E bate palmas, e eu baixinho respondo: Sim, eu consegui, eu consegui e falando isso o choro foi inevitável, chorei feito criança sentada na praça por muito tempo até receber um gole de uma espumante de alguns peregrinos italianos que estavam muito contentes!

Eu consegui foi a palavra que me fez lembrar de todos os momentos dessa viagem de total entrega. Mas eu sei que ali, naquele dia 14 de abril de 2016 e 800 km depois, a minha caminhada só estava começando. 

Por Gabi

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