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Nova York e as mulheres

Desde os meus 11 anos eu sonho em morar em Nova York. Cresci assistindo a filmes como Esqueceram de Mim, O Paizão, Homem Aranha, e seriados como Friends e Sex and the City. A cidade já era quase uma personagem e eu conhecia os principais pontos apenas assistindo do meu sofá. Ela era como um conto de fadas na minha cabeça e eu precisava sentir na pele como seria realmente viver lá. Ano passado eu decidi que era o momento de vir. Hoje faz 10 meses que cheguei aqui pra viver essa aventura e vou compartilhar um pequeno pedaço dela.

Logo nos meus primeiros dias já me disseram “Nova York não é Estados Unidos”. Ou seja, já deixo claro que as minhas experiências aqui não são parâmetro para o resto do país. De uma maneira geral, ela é uma “cidade do mundo”, com moradores que literalmente vieram de todos os cantos do planeta. Talvez isso a torne mais liberal e receptiva. Não me sinto como uma intrusa e sempre recebo um sorrisão quando digo que sou     brasileira.

Ser mulher em Nova York é bem diferente de ser mulher em Porto Alegre (minha cidade natal). Aqui a gente é assediada na rua também, às vezes passa por um lugar escuro sozinha e sente medo. É uma cidade enorme e tem que estar sempre atenta. Mas acho que esse sentimento nos acompanha em qualquer lugar. A diferença é que aqui eu não tenho medo de sair na rua à noite, beber e voltar sozinha, ou de pegar o metrô na madrugada. No Brasil eu jamais faria isso (em Porto Alegre não tem nem metrô). Eu tinha medo era de acabar não voltando pra casa. Aqui também tem violência, e muita. A diferença é que ela é pontual. Por exemplo: as pessoas brigam muito na rua, nos bares, no trânsito e é difícil saber como isso vai acabar. Por outro lado, eu sei que ninguém vai tirar a minha vida no metrô ou no ônibus pra levar meu celular ou minha bolsa. Quando você fala isso para alguém que mora aqui a pessoa fica chocada. Porque é um absurdo, né? O problema é que a gente, no Brasil, se acostumou com isso, já se tornou algo normal.  Aqui eu tenho uma sensação de segurança que nunca tive antes. De que posso ir aonde quiser e quando quiser, e segurança traz o maior bem que podemos ter como seres humanos: a liberdade.

Falando em liberdade, preciso dizer que por aqui não são apenas rosas. Este ano, com a eleição do Donald Trump, o clima ficou bem tenso na cidade. Lembro do dia em que o resultado saiu. As pessoas chocadas, não sabiam o que fazer. Vi muitos chorando nas ruas, confortando amigos, dizendo que tudo a ficar bem. Foi um baque pra cidade. Especialmente pras mulheres. Um dos motivos é porque ele tem uma visão bem retrógrada sobre os direitos reprodutivos e já se posicionou contra o aborto e a Planned Parenthood (uma instituição maravilhosa que vou descrever no próximo texto). Semana passada milhões de mulheres se reuniram pra protestar contra o presidente eleito em várias cidades dos Estados Unidos. Aqui em Nova York a cidade parou, literalmente. A marcha Women’s March deveria (obviamente) marchar por uma rota preestabelecida, mas era tanta gente que não havia como se mexer. Vi cenas lindas de famílias inteiras com crianças segurando cartazes, usando camisetas com dizeres como “Nasty Women” (alusão à forma como Trump se referiu à Hilary em um debate) e mensagens lindas de apoio e esperança. Me senti triste e sortuda ao mesmo tempo. Sortuda por estar aqui vendo e vivendo esse momento lindo de união garra entre as mulheres e triste por ver que em 2017 ainda precisamos lutar por direitos básicos para nós. Ainda mais em um país que evoluiu tanto nesse sentido com o governo do Obama. Serão longos 4 anos de governo Trump. Apenas espero que não seja tão sofrido.

Enfim, quero finalizar com algo positivo. Apesar desse lado político obscuro pelo qual os Estados Unidos está passando, posso dizer com muita certeza que sou uma mulher mais feliz em Nova York do que jamais fui em Porto Alegre. Gostaria que todas as mulheres da minha cidade natal e do meu país pudessem sentir o mesmo. Penso muito em como isso seria possível e quais passos deveríamos tomar para não perdermos a esperança. Quem sabe um dia a gente chegue lá.

Por Júlia Silveira

Foto: Bryan R. Smith/AFP

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