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Madalena, Madalenas...


Assisti a uma reportagem do ano passado sobre uma senhora negra resgatada de um trabalho escravo. Após passar 54 anos em condições precárias e de escravidão, na entrevista a repórter pergunta por que não pode tocar em sua mão. Assustada, Madalena, de 62 anos, diz ter receio de pegar na mão branca, achando feio. A repórter, com extrema gentileza, diz: “Mas por que, o tom é diferente, mas você é mulher, eu sou mulher. Os mesmos direitos e o mesmo respeito que todo mundo tem comigo tem que ter com você”.


Madalena começa a chorar, talvez por entender que a repórter quis confortá-la de uma realidade que ainda está distante na prática.


A mulher negra sofre ainda muito discriminação, e por sua condição ainda tem dificuldade de alcançar cargos elevados na sociedade. E existem tantas Madalenas por aí que criam seus filhos com dignidade, educando-os para terem uma vida melhor que a sua. Às vezes, têm uma jornada tripla de trabalho, sem tempo para si, mas com uma obstinação que as mantém com integridade na luta diária: verem seus filhos realizados. E quando conseguem, desfrutam da satisfação por terem vencido.


A Madalena da reportagem, que passou tanto tempo da sua vida no trabalho, não teve oportunidade sequer de escrever seu nome, pois conhecimento é algo que faz refletir, reivindicar, e isso incomoda. Assim, assumiu sua função no trabalho árduo, deixando que a vida a levasse. No silêncio da noite, não tinha sonhos, pois não tinha muito conhecimento do mundo fora da sua rotina. Sua timidez demonstra ter se submetido a todas as ordens que lhe foram dadas, sem ter condições de repensar seu destino. Quais seriam seus planos se os tivesse? Quais suas escolhas para a vida? O que deseja fazer a partir de agora? Espero que não encontre no seu caminho mais pessoas que a maltratem. Ela merece ser respeitada, como ser humano, mas também por uma vida cheia de restrições e possibilidades. Madalena, que os novos tempos lhe proporcionem tudo aquilo que almeja!


Por Rosane Machado Mestre em Estudos sobre as Mulheres, Gênero e Cidadania pela UAB de Lisboa

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