O mês de junho de 2019 foi um mês propício para pensarmos a homofobia. Tivemos a confirmação legal de que a homofobia agora é crime em nosso país. Houve a comemoração dos cinquenta anos da Revolta de Stonewall em Nova Iorque (que aconteceu na noite de 28 de junho de 1969 no bairro de Greenwich Village), com o pedido de desculpas oficial da polícia nova-iorquina pela brutalidade policial naquele acontecimento histórico. E, claro as Paradas da Diversidade realizadas em diversos estados brasileiros, em que milhares de pessoas foram às ruas para comemorar a liberdade de ser como se é, mas, também, denunciar e pressionar contra o preconceito e a discriminação que começa nos altos escalões estatais e termina em vários setores da nossa população que ocasiona um número inconcebível de mortes, colocando o Brasil entre os primeiros do mundo que mais matam homossexuais.
Além desses marcos, pessoalmente, o assunto esteve muito próximo a mim, pois estou preparando uma banca de defesa de tese de um doutorando em Barcelona, cujo tema é o bullying homofóbico, um trabalho primoroso de pesquisa e reflexão. Embora seja um doutoramento em uma universidade espanhola, a pesquisa foi realizada no Brasil, em escolas paulistas. O exame da tese revelou que a homofobia é muito potente na época da adolescência, em que os jovens e as jovens são bastante pressionados a se adequarem à heteronormatividade compulsória (obrigatoriedade social de ser heterossexual), tendo que, para isso, lançarem mão do heterosexismo (discriminar o outro sexo) e da misoginia (ódio às mulheres).
O conceito de homofobia é bastante criticado, principalmente em função de sua etimologia. O prefixo homo pode induzir a dois principais erros: a ideia de temor ao semelhante e não o temor ao homossexual e a concepção de medo ao homem ou humano. Assim, essa palavra pode ficar associada aos homens cisgênero (sexualidade “compatível” com o gênero) percebidos como gays. Isso é muito limitado, posto que uma pessoa trans homossexual, por exemplo, também pode sofrer homofobia. Isso pode levar à ideia de que somente as pessoas cisgêneras do sexo masculino sofrem homofobia.
Outra limitação seria seu componente androcêntrico (visão masculina da realidade) associado ao prefixo homo, que em latim significa homem e humano. Aqui temos a potencial invisibilização da pluralidade de opressões sofridas pelas mulheres lésbicas ou percebidas como tais.
Outra crítica sobre esse conceito, está vinculada ao sufixo fobia, um termo de cunho clínico utilizado para descrever um transtorno psicopatológico de medo persistente e irracional a um objeto, atividade ou situação específica, já que sabemos que a homofobia e os delitos de ódio que suscitam, não são nem irracionais, nem indicam compulsão como o sufixo pode sugerir. Uma pessoa que sofre de uma fobia qualquer, deseja ver-se livre dela, quer ser tratada para curar-se. Diferentes experimentos com pessoas homófobas indicam sentimentos de ira, hostilidade, mal-estar, asco etc. E nenhum desejo de sentir diferente. Além disso, uma fobia indicaria mais uma questão individual, enquanto a homofobia é um fenômeno social.
Apesar dessa falta de consenso sobre o termo homofobia, não existe ainda um outro termo que seja mais satisfatório e, além disso, dado a complexidade do tema, pesquisadores e pesquisadoras consideram que propor uma única definição do que seja homofobia empobreceria sua vasta significação. Outra questão em perseverar no uso desse termo é que seu uso se estende desde os trabalhos acadêmicos até a linguagem do senso comum. Temos, inclusive como dito acima, leis que a consideram crime em nosso país.
De todos os modos, é importante refletir sobre a verdadeira fixação que encontramos no dia-a-dia sobre as origens da homossexualidade. Como alguém “ficou” homossexual? Nasceu assim? Foi contaminado por alguém? Como é isso? O assunto se resolveria mais facilmente se as pessoas se dessem conta de que não fazem as mesmas perguntas sobre as origens da heterossexualidade… Muita gente, embora já agora nem todo o mundo, pensa que o normal ou o natural é ser heterossexual. Esquecem que, em se tratando de seres humanos, nada é completamente natural ou normal. Basta olhar a História, a Geografia Humana. A diversidade humana através dos tempos e lugares é tão vasta que esse tipo de pergunta vai acabar por ficar ridículo e insensato. No entanto, muito temo que continuaremos ainda por muito tempo testemunhando crimes de ódio e perseguição a indivíduos e grupos sob qualquer justificativa, pois, por outro lado, nada dá mais sentido à vida de certos indivíduos e grupos que combater algum inimigo (forjado ou imaginado) para encobrir o próprio vazio interior e falta de sentido na própria existência.
Marlene Neves Strey
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