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Guarda compartilhada

A lei 13.058 de dezembro de 2014, regulamentou a Guarda Compartilhada. Chegava ao fim, taxativamente a ideia de que a guarda naturalmente, ou automaticamente seria de um genitor ou outro, ou tipicamente da mãe, um novo tempo estava sendo inaugurado, os genitores, em conjunto devem estar presentes na vida do filho fruto daquela relação conjugal que chega ao fim.

A Constituição Federal de 1988, já havia inaugurado o princípio da Responsabilidade Paternal, a partir da Igualdade Parental, em outras palavras, a Constituição trouxe uma realidade em que a família é uma célula onde os pais, exercem os papéis de cuidado, zelo, e educação de forma igualitária. É o que prevê o artigo 227 : Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

É patente a intenção do legislador constituinte de trazer efetivamente o pai para a realidade que era tipicamente maternal, a de cuidar da prole. Isto era uma realidade quase massificada até bem pouco tempo, quando a mulher basicamente “cuidava da prole e do lar”, enquanto o homem, no caso, o pai, cuidava de sustentar a prole e o lar, mas não havia mais sentido a partir do momento em que as mulheres finalmente saem dessas limitações e ingressam no mercado de trabalho. Faz-se necessário então, que a lei maior, dando azo à sua caraterística humanitária e de promover a igualdade, trouxesse o Princípio da Igualdade Parental, a fim de que efetivamente a função dos pais, possa ser exercida em igualdade de obrigações e responsabilidades.

Era natural o caminho legislativo que fez nascer a Guarda Compartilhada. O objetivo desta, é a égide da Igualdade Parental, a lei veio assegurar que a criança ou adolescente que atravessa o fim da relação matrimonial ou de união estável entre os pais, possa o fazer da forma menos traumática possível, já que o que a lei busca é que os interesses desta criança ou adolescente se sobressaiam efetivamente aos interesses dos pais. A criança ou adolescente não deve estar entre os pais, que agora se separam ou divorciam, mas deve estar com eles, e sentir-se, verdadeiramente, acolhida por ambos.

Não é a rotina da criança que deve se adaptar aos interesses dos genitores, mas sim, a rotina dos pais que deve, no intuito de que esta criança ou adolescente tenha presente em sua vida, ambas as figuras paternais, se adaptar à rotina do menor. A Lei 13.058, veio com a proposta de que a Guarda Compartilhada seja um padrão e não uma possibilidade, embora não seja também uma imposição sem restrições, ao contrário, é assunto que merece do magistrado todo o cuidado, como tudo que gravita no entorno dos assuntos que dizem respeito aos filhos no contexto do final do casamento ou união estável.

Contundo, não é incomum, ainda, que haja uma grande confusão por parte da sociedade em geral, especialmente aquela fora do circuito jurídico, acerca do assunto. É muito comum, confundirem por exemplo a Guarda Compartilhada com Guarda Alternada. Ora, a guarda alternada, sequer foi recepcionada pela lei, ela é uma criação doutrinária e jurisprudencial, mas não está expressamente na lei. Sobre a guarda alternada, que é aquela em que a criança basicamente reside parte do tempo com a genitora, e outra parte com o pai, há uma intensa resistência por parte dos profissionais da área da educação e psicologia, pois entendem que não é saudável que a criança tenha duas casas, sob pena de sentir-se ao final das contas, sem fazer

parte efetivamente de nenhum dos núcleos, como se fosse um eterno “sem teto”. A imagem da criança, que a cada, 10 ou 15 dias, ou até semanalmente, precisa se readaptar à uma casa, nos remete à ideia de alguém que não pode afirmar onde realmente mora.

Vendo-se há cada período de alternância de moradia, tendo que carregar sua pequena mudança, como se fosse um nômade. É fácil perceber o quão desconfortável pode ser isto, bastando para tanto, um simples exercício de empatia. Imaginar-se de mudança a cada semana, ou quinzena, não pode ser agradável a ninguém, imagine então à uma criança, que sabemos, necessita de rotina, por questão de segurança emocional.

Nota-se no dia a dia do escritório, que alguns genitores, – e aqui generaliza-se, tanto pais como mães, mas preponderantemente, aqueles que pagam a pensão alimentícia – buscam na Guarda alternada, (estes especificamente, sempre tratando a guarda alternada como se guarda compartilhada fosse), uma possibilidade de eximir-se do pagamento da pensão alimentícia, como se o fato daquele filho residir metade do mês consigo e a outra metade com o genitor ou genitora, lhe retirasse a obrigação da pensão alimentícia. Ledo engando. O parâmetro é a necessidade da criança ou adolescente e a capacidade do genitor de pagar, e por vezes, um genitor tem mais condições financeiras de fazê-lo do que o outro. Trazemos exemplificadamente, o caso de Lia, que ao completar 7 anos, os pais em comum acordo e sob homologação judicial iniciaram o procedimento de guarda alternada. Antes de iniciar o procedimento de guarda alternada, Lia recebia do pai, pensão alimentícia de 5 mil reais, o genitor que era médico, concretamente obtinha ganhos mensais, pelo menos 10 vezes maior que a genitora que era professora da rede municipal de ensino. Lia estudava numa escola particular, cuja mensalidade alcançava 2.000 mil reais, frequentava ainda um Clube onde realizava diversas atividades físicas, além de ser aluna em uma escola de línguas. O total de despesas de Lia, que englobavam ainda plano de saúde, transporte escolar, roupas, alimentação e lazer, chegava de fato aos 5 mil reais.

O primeiro pedido do genitor em audiência quando das tratativas da sua proposta para guarda alternada foi reduzir para metade a pensão que pagava até então para Lia. Ponderamos que seria impossível, dado o fato de que com o salário percebido pela genitora. A mãe percebia rendimentos que alcançavam no máximo 3 mil reais, e sendo sua única fonte de renda, era dali que retira o valor das despesas como condomínio, alimentação, luz, gás, saúde, etc. À época, o magistrado ao perguntar a mãe quanto lhe sobrava por mês, ficou absolutamente convencido de que não era possível aquela genitora que fosse reduzida a pensão que Lia recebia do pai, quando a genitora respondeu que na verdade nunca lhe sobrava, mas sim, faltava, já que gastava mais de 1.500 reais com tratamento e remédios, por força da depressão profunda que lhe acometia.

Ao final, basicamente o que mudou foi o fato de que doravante, a mãe, passaria a receber de pensão alimentícia da filha, 1.000 mil reais, para que pudesse manter a alimentação da filha e eventualmente roupas e algum medicamento, e o pai, passaria então a ser o responsável por todos os demais pagamentos. Note-se, que na prática não houve mudança no valor da pensão alimentícia, por força da guarda alternada, o pai somente passou a gerenciar os pagamentos que antes já eram realizados pela mãe, e ainda manteve o bem estar da filha, mesmo quando esta estava com a mãe, no exercício da guarda alternada.

A guarda alternada neste caso, aliás, à título de curiosidade, se manteve por 3 anos. Quando Lia, completou 10 anos, e desejou voltar a morar somente com a mãe. Quando ouvida pelo

magistrado revelou que “parecia que estava sempre viajando”, e que queria ter um “lar de verdade”, “como todo mundo”.

A Guarda compartilhada, para seguirmos com o caso de Lia, após os seus 10 anos, passou a funcionar com outra dinâmica, no nosso entender, muito mais saudável, o genitor que atualmente trabalha 3 dias da semana somente no turno da tarde e noite, busca Lia, segunda, terça e quarta, às 08:00 na casa da mãe, a acompanha nas atividades do turno da manhã, almoça com ela e a leva à escola. Tem ainda, finais de semana alternados com Lia, e eventualmente fazem algum programa de lazer fora destes horários e dias.

Veja-se que a guarda compartilhada aceita qualquer arranjo de horas e dias, desde que a criança ou adolescente tenha uma rotina onde a presença de ambos os genitores seja real, atenciosa, afetiva.

A igualdade parental, traduzida na efetiva responsabilidade, interesse, de ambos os pais, é uma condição essencial para o desenvolvimento integral da criança, os pais devem entender esta condição que é a própria motivação por trás da Guarda compartilhada. A efetiva atenção, com a educação da criança, com seu desenvolvimento, com sua rotina, sua saúde, é obrigação paternal conjunta.

Trata-se de legalidade, e não de desejo, de vontade, de um genitor ou outro, não tem a ver com os pais, tem a ver com o direito fundamental da criança ou adolescente a um desenvolvimento pleno, e seguro, com a ostensiva e interessada, presença de ambos os pais, estando estes, juntos, ou separados.

Singra Macedo

*No caso citado, o nome da criança foi omitido, utilizando-se nome fictício, a fim de lhe preservar a identidade e sigilo.




Singra Macedo

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