top of page

Fome de que?


Acreditei que nesta quarentena estaríamos livres do “FOMO” – Fear of missing out, como escrevi em um dos primeiros textos deste período de distanciamento social. Ledo engano, percebo que ainda paira no ar a ansiedade de produzir e de estarmos atentos a tudo que acontece como se “estivéssemos perdendo algo” (significado do termo em inglês).

Fomo é esse medo de não conseguir acompanhar a tecnologia. Responsabilizo as maravilhosas lives por essa sensação, mas também à enxurrada de conteúdos interessantes de estudiosos, artistas e profissionais de todas as áreas que estão disponíveis gratuitamente nesse período.

Agradeço imensamente a essas pessoas que se dedicam a compartilhar a maneira como estão transcendendo a esse período e que fazem com que ele seja mais fácil. Acho que conheci e estudei muito a arte, a música e a psicologia como há muito tempo não fazia ou até, como nunca tinha feito antes.

Mas voltando ao “Fomo”... Tentei fazer uma comparação de como é o “Fomo” de agora e como era o “fomo” de antes. Troco o “fomo” por “fome” porque tal como sentíamos antes, é um desejo de preencher todos os momentos da nossa vida com algo, para não ficar para trás. Olhando mais profundamente, existe aí uma dificuldade com o tédio: uma necessidade da alma que está esvaziada e tentando a todo momento se preencher.

O fomo é patológico, mas esse processo de busca por preenchimento não necessariamente é doentio. A alma tem fome assim como o corpo físico. Esvazia e preenche, esvazia e preenche: acontece a todo momento e vive em fluxo. O adoecimento da alma acontece quando não há mais esse fluxo e nada do que absorvemos pelos nossos sentidos realmente preenche.

Como o fluxo é interrompido? Assim como existem atividades, relações e estímulos que preenchem a nossa alma, existem aqueles que a esvaziam ainda mais. Para cada um é diferente: tem gente que se preenche com música clássica e tem gente que se preenche com música eletrônica, mas se nós desconhecemos nossos gostos e o que combina com a nossa essência, vale a experimentação.

É interessante até de experimentar essas sensações agora que estamos em um momento de menos contato externo. Antes, conseguíamos ou tentávamos saciar essa sede através de experiências sociais, relacionais ou trocando de cenário. Agora, com um cenário limitado (entre a sala, a cozinha, o quarto e o banheiro) trocamos de cenário mais com os olhos, com os ouvidos e com a imaginação do que com a sensação completa do nosso corpo de se transportar para outro lugar.

O processo de autoconhecimento não passa só por um estudo do nosso passado e dos processos psíquicos que fomos fazendo desde a infância. Esses são de suma importância, mas também passa por podermos descobrir - como uma criança - novos interesses e pequenos prazeres que tem a ver com essa nova fase de evolução.

Com presença e consciência fica mais fácil identificar o que a alma precisa falar, o que precisa calar, o que precisa ver, o que precisa ouvir ou o que não precisa ver nem ouvir. Avaliando o que preenche e o que esvazia, fica mais fácil saber escolher aquilo para o que dizer “sim” e para o que dizer “não”. Não existe forma de estar a todo tempo preenchido, mas saber o que preenche dá aos momentos de vazio um pouco mais de calma.


Psicóloga Juliana Soeiro

Comentarios


bottom of page