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Encalhados

Encalhados

Dia desses numa festa de casamento da filha de uma amiga querida, sentados na mesma com nosso grupo de velhos amigos, entre conversas sobre filhos, trabalho, e trivialidades do dia a dia e de como aquela festa estava linda, e como a noiva havia crescido sem que nenhum de nós tivéssemos nos dados conta, de como nós mesmos estávamos atravessando a vida assim, nesta velocidade louca, um comentário triste se sobressaiu.

Um dos amigos, casado, talvez, há mais tempo de todos naquela mesa, saiu com o seguinte infeliz comentário, em relação à uma das convivas, amiga também, que chegou aos 40 e poucos sem nunca ter “casado”:

– E aí? Como tu estás? ainda não entrou para o time dos casados?…Ainda encalhada?

Silêncio total na mesa….alguém disse algo que nem me lembro mais para quebrar o gelo, e eu tão atingida por aquela infeliz fala, numa reação meio primitiva, de forma totalmente espontânea e sinceramente, sem pensar, disse a ele:

– E tu, ainda encalhado no teu casamento?

É claro que me arrependi depois. Não por ele, é óbvio. Mas pela esposa dele, que disfarçando o mal estar, espirituosa e inteligente que é, me acompanhou em tom de brincadeira, e respondeu: – …verdade querido, estamos encalhados nessa há muitos anos mesmo…

Rimos todos um sorriso sem graça.

De repente a mesa se entristeceu, e o zumzumzum da festa nunca foi tão imponente e necessário.

A nossa amiga, “encalhada”, foi ao banheiro e não voltou mais. E eu, bem, eu nem sabia onde ir, só não queria mais era ficar ali.

A triste constatação de que por mais que estejas entre pessoas altamente gabaritadas na Academia, nada te garante que estejas livre de ouvir as velhas, infames, e machistas piadinhas, foi inevitável.

Inventamos uma desculpa qualquer, e fomos embora bem cedo.

No UBER, com o braço de PR sobre meus ombros, me perdi em pensamentos que me remetia à inevitável condição de estarmos eternamente encalhados.

Encalhados no preconceito, enraizado que está na subcultura, que objetifica mulheres, promove a virilidade do homem, define padrões de toda ordem, e por consequência abomina tudo que disso diferir.

Encalhados na ignorância do estado das coisas na política, onde os debates invariavelmente se estabelecem pelo modus grenalização, ou seja, é o tudo ou nada, nada de meio termo, nada de ouvir o outro, nada de falar para o outro ouvir; nada de dialogar, para aprender.

Encalhados nas redes sociais no modo julgamento; ou seja, um mar de experts que de tudo sabem.

Encalhados em empregos ordinários que te garante o aluguel do mês, a mensalidade da escola, a manutenção do teu carro, a roupinha bacana, aquela viagem que vais parcelar em mil vezes; mas que não te dá o menor tesão, e torna todos os teus domingos, a antevéspera da morte continuada.

Encalhados no medo; do assalto, do estupro, do assédio, do tédio, do tempo, da morte, de ficar doente, de vencer, de não vencer, de ter um filho, de não ter um filho, de ficar só, de fazer escolhas erradas, de estar com a pessoa errada, de estar com a pessoa certa, de não evoluir, de não ler o suficiente, de não ser o suficiente, de não ser.

Encalhados em rotinas que negamos, mas que, como crianças, necessitamos.

Encalhados nas mágoas do passado, rancores que não conseguimos vencer, perdões que não conseguimos dar.

Encalhados em padrões que não são nossos, mas no entanto não conseguimos recusar.

Encalhados em música ruim, cinema de quinta, intelectuoides de botequim.

Encalhados em discussões que não vencemos, porque não encontramos aquela palavra, aquele ponto fraco, aquele argumento, aquela tese….ah, maldito, maldito, SE. Se eu tivesse dito, Se eu tivesse feito, Se eu tivesse olhado, Se eu tivesse tocado, Se, Se, Se….

Encalhados na briga que não travamos, naquela que não ganhamos, naquela que, sequer enfrentamos, por medo de sucumbir.

Encalhados na tristeza; da perda do ente querido, do fim do relacionamento amoroso, da perda do emprego, daquela amizade perdida, daquilo que nunca se disse, do beijo que não aconteceu.

Encalhados na hipocrisia, na falsa revolta, no cansaço dos vazios sermões.

Encalhados no nada, num porto que nunca foi seguro, fruto somente de ilusões.

E, se não tivermos cuidado, ficaremos todos encalhados, num tempo estranho. Onde morrem tantos e de tantas formas, e morrem também esperanças, e vergonhas de toda natureza, é um tempo cinza, chamado 2016.

Portanto, Desencalhe-se!.. solte o que não te agrega em nada, largue o que não te pertence, limpe as gavetas, limpe os pensamentos, esvazie os armários e a cabeça, doe coisas inúteis para você, incluindo aquela calça 36 que não vai te servir mais, perdoe-se se não puder perdoar os outros, olhe para frente, não ignore o passado, apenas siga, aceite o fluxo, não resista, o moderno em breve será velho, a vida é mais sabia que você, não seja tão pretensioso, não há nada que você não consiga superar. 2016 também vai passar.

Feliz Natal, Feliz 2017!

Singra Macedo

Rua Fernando Gomes, 128 conj. 901, Bairro Moinhos de Vento

Porto Alegre, RS

Fone: 51 3237-0684

www.singramacedoadvocacia.com

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