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Docência: uma profissão feminina?

Herbert Spencer, pensador darwinista britânico, falecido em 1903, escreveu que a origem de todas as profissões era religiosa-eclesiástica. Segundo ele, a classe sacerdotal de qualquer cultura já existente era a que mais prestígio tinha e, como tal, era a que estava mais preparada para ensinar o que interessava à cultura que seus participantes soubessem ou acreditassem. Esse preparo vinha do fato de que os sacerdotes tinham mais tempo para pesquisar e aprender já que não necessitavam buscar a sobrevivência física (conseguir alimentos, abrigo, defesa etc.). A sua superioridade frente às demais pessoas que exerciam outras atividades se dava por sua comunicação direta com as forças superiores ou divinas, que lhes permitiam ver o que as pessoas comuns não conseguiam.

Descrevendo os indícios de diferentes culturas, até chegar ao século dezenove, ele tenta mostrar que foi necessária muita luta para separar o laico do religioso no que diz respeito à escola e ao processo de ensino, assim como a profissão de professor/a. Segundo ele, no final do século dezenove, essa separação era ainda incompleta e frágil. No decorrer de sua narrativa, fica evidente que ensinar era coisa de homem e que a escola era para crianças, adolescentes e adultos do sexo masculino. Um trecho de seu texto é muito interessante e nos faz pensar: “antigamente foi moda educar aos meninos, em grande parte, o mesmo que nós educamos hoje a nossas filhas, ou seja, guardando-as constantemente, sob a direção de um criado especial, ou professor, ensinando-lhes a religião recebida e algo de literatura clássica, inculcava-se neles obediência aos deuses e aos pais”. Que tal? Isso lembra alguma coisa de nossa atualidade em nosso país?

Bem, essa é uma longa história e a discussão em torno a ela é bastante acirrada dependendo do momento histórico e dos objetivos de quem a discute.

O que eu quero salientar aqui são duas coisas: A profissão docente não é uma profissão neutra e a profissão docente não é uma profissão feminina desde seus começos.

Assim como a educação religiosa tinha como meta educar os jovens (durante muito tempo só do sexo masculino) para serem seguidores de uma determinada religião ou doutrina religiosa ou crenças correntes em uma dada cultura, a educação laica tem objetivos que dependem do tipo de cidadão ou cidadã quer formar. E formar, sabemos que significa dar os rudimentos básicos necessários para alcançar um determinado fim.

Em uma sociedade democrática, essa formação será ampla, permitindo que a criança, o/a jovem, o/a adulto tenha à sua disposição ideias e conhecimentos que lhe permitam decidir questões importantes em sua vida pessoal e cidadã com um maior número de possibilidades de encaminhamentos. Ou seja, isso certamente conduzirá à diversidade de pensamento, de ações políticas e práticas cidadãs. Quanto mais plural a cultura e a educação, mais rica e tolerante será. O panorama atual em nosso país está nos mostrando um caminho totalmente diferente disso.

Agora, no que diz respeito a docência ser uma profissão feminina, como escutamos muitas vezes por aí, o problema é outro. A história nos mostra que as mulheres foram afastadas das escolas (qualquer tipo de escola, eclesiástica, laica, para pobres, para ricos) durante muito tempo. Tanto como alunas, como professoras. Depois de muitas lutas e graças aos movimentos feministas, hoje temos um panorama bem diferente. As estatísticas mostram as mulheres às vezes como maioria, às vezes quase como maioria, como alunas e como professoras. E isso nos leva a perguntar: será que isso, as mulheres estarem em massa dentro do âmbito escolar (fundamental, médio, universitário) que tem tornado a profissão de professor/professora tão desvalorizada? É tão desvalorizada que, desde pequenas, as crianças aprendem em seu meio ambiente, que essas pessoas são uma espécie de criadas ao seu dispor e que devem fazer aquilo que as crianças/jovens e suas famílias desejam e não aquilo que, em teoria, deveria ser feito. Vemos todo o santo dia notícias circulando sobre professores/professoras sendo agredidos/as e até mortos/as por seus alunos/as ou familiares deles/as.

Acho que o mundo ainda não aceita totalmente que as mulheres possam ensinar coisas importantes, que possam ter autoridade intelectual para conduzir classes, pensamentos, teorias e práticas essenciais para o desenvolvimento humano. Claro que muita coisa mudou desde o tempo de Herbert Spencer e outros pensadores como ele. No entanto, ainda falta muito para que haja verdadeira isonomia em qualquer campo do pensamento, das profissões , da vida cidadã. E daí eu pergunto: O que nós estamos fazendo para melhorar isso? Sim, nós as mulheres e os homens de boa vontade estamos agindo para corrigir isso ou simplesmente estamos esperando o trem passar para ver no que dá…?

Marlene Neves Strey

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