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Como você tem tratado suas emoções?

Cresci numa família cheia de mulheres, rodeada por histórias marcantes de coragem e de superação. Curiosa desde sempre, gostava de ouvir histórias antigas sobre a juventude das minhas tias, da minha mãe, dos meus avós.


Em uma ocasião dessas, descobri que o meu avô não tinha sido o primeiro marido de minha avó, o que para uma menina de 9 anos era algo estranho de imaginar. Movida pela vontade de entender mais sobre quem era a mulher, e não somente a avó, comecei a fazer uma série de perguntas sobre a vida dela, sua infância, seus pais, irmãos e o tal primeiro marido. Descobri que na época da minha avó as mulheres casavam muito cedo, como foi o caso dela, que aos 17 anos já era mãe e se viu motivada pela maternidade e pelo instinto de defender suas crias, a romper com um casamento cheio de conflitos.

Com os olhos marejados ela me disse que teve que seguir em frente. Na época eu não compreendi, mas hoje entendo que o que ela quis dizer com “seguir em frente” podia se referir a muitas coisas, ainda incompreensíveis para uma criança. Hoje também entendi a coragem que foi preciso para romper com esse casamento, pois ser “desquitada” naquela época era algo abominável. Segundo ela, anos mais tarde casou com meu avô, teve mais filhos, construiu uma família.

Obviamente, o casamento deles não era perfeito. Ao contrário, era um relacionamento como tantos outros, marcado por aspectos culturais, derivados da cultura patriarcal. Porém, havia uma diferença, ela tinha encontrado sua voz e não se permitiria abrir mão dela nunca mais.

Carregada por esse sentimento, ela criou seus filhos, passando para as filhas sua força, coragem, honradez e franqueza. Com suas netas, que foram muitas, o legado não podia ser diferente. Nos ensinou a sermos fortes, destemidas, corajosas. Porém, não nos ensinou como lidar com as emoções. Aliás, nos ensinou a lidar com elas de forma prática, o que significava desprezá-las. Poucas vezes na vida a vi chorar, reclamar, muito menos desistir de algo, o que sem dúvida é algo a se exaltar, mas imagina uma vida inteira segurando tudo? Insistindo em projetos ou relações fracassadas?

Essas características tão presentes na minha avó, eram percebidas por mim na minha mãe. Mulher aguerrida, forte, com uma garra descomunal, mas que também vi chorar em poucas ocasiões, o que de certa forma me fez desenvolver uma enorme dificuldade de saber lidar com as minhas emoções.

Há poucos anos comecei a lidar melhor com meus sentimentos e com minhas temidas lágrimas. Ainda hoje sei que estou em pleno processo de cura e de me reencontrar. Felizmente não vejo mais as minhas lágrimas como sinônimo de fraqueza, ao contrário, sinto que elas limpam minha alma já tão calejada nesses poucos anos de vida.

Dessa forma, após fazer toda essa retrospectiva dentro de mim e de quem eu sou, comecei a buscar nas minhas raízes como mulher negra, os motivos que me levaram (e isso é um traço característico da mulher negra) a lidar de forma tão fria e dura com as emoções. Ainda é um aprendizado, mas sinto que estou evoluindo.

Por isso, irmãs, lhes pergunto: Como estão tratando suas emoções? Como as estão aceitando? Eu sei que é difícil se permitir cair e baixar a guarda, mas a verdade é que durante séculos fomos ensinadas a guardar todos os nossos sentimentos mais profundos e isso se perpetuou por muitas gerações de mulheres. Como mulher negra, sempre fui ensinada que a vida seria extremamente dura comigo e que por esse motivo eu teria que ser dura, firme, forte!

Forte! Essa foi a palavra que mais ouvi nesses 28 anos. Mas será que não somos fortes quando nos permitimos sentir? Não somos fortes quando conseguimos admitir que estamos cansadas, que precisamos de um tempo? Eu lhes digo que sim, somos uma fortaleza dentro das nossas fragilidades.

Então, para esse novo ano que se inicia, desejo não só para mim, mas para todas nós, que tenhamos coragem para chorar, fraquejar, cair e assim recomeçar.  A mulher que hoje escreve essas palavras, deseja para a mulher que as lerá no próximo ano, que ela se permita mais, que ceda mais, que viva mais, que chore mais!

Amanda Alves Dias Rodrigues

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