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Bloqueios criativos


O capítulo 10 de mulheres que correm com lobos “Águas Claras: o sustento da vida criativa” fala sobre a vida criativa e sobre o que causa seus bloqueios. Ela também explica o que devemos fazer para que essa característica selvagem não se perca.


Raramente divido os capítulos em mais de um texto, mas dessa vez dividirei, pois percebo a importância dessa compreensão do papel da criatividade das nossas vidas: se ela está desperta, somos livres. Além disso, percebi que tenho escrito menos e esse capítulo veio como um puxão de orelha do tipo: e aí, parou? Curiosamente também é o texto que me sinto mais bloqueada para escrever.


Criar é curativo. Para Clarissa, criar é como um rio, precisamos apenas ser suas represas, córregos e santuários e permitir que atravesse. Bem poético, simples e, ao mesmo tempo, por que as vezes parece que essa energia está bloqueada?


Os contos são formas simbólicas de explicar esse “porquê”. O primeiro conto desse capítulo se chama “La llorona”. Neste conto, a personagem engravida de gêmeos de uma relação com hidalgo, dono de uma fábrica ao lado de um rio. Durante a gestação, ela bebe a água do rio, mas este está contaminado pelos dejetos da fábrica de hidalgo. Por consequência dessa contaminação seus filhos nascem cegos, com os dedos unidos por membranas. Então, por desespero, La llorona joga os filhos no rio para que eles não tenham uma vida tão difícil e morre também por tanta dor. Essa história trágica é um alerta do que pode acontecer caso o nosso rio (mundo interno) seja envenenado: morrem nossos filhos (projetos) e por consequência nós mesmas.


A toxicidade na história é representada pelo personagem do dono da fábrica (hidalgo). Ele simboliza o animus na mulher, ou seja energia masculina. O animus é a energia de ação que todas temos e que precisa existir. Porém, quando esse animus está ferido não é possível concretizar os projetos no mundo.


Quando há um equilíbrio (yin e yang) das energias psíquicas e da energia de ação, o animus está atuando como um amigo, porém, quando ele não tem um lugar pra ele (nenhuma produção), ou quando ocupa espaço demais (excesso de produtividade), se transforma em um agressor da própria psique. Com o animus ferido, em vez de um auxiliar, ele temos um persistente fantasma crítico e julgador dentro da psique.


O hidalgo é essa masculinidade machucada e ferida nos homens e nas mulheres. Essa que exige esforços astronômicos para obter resultados e exige de ambos os sexos o poder pelo poder, sem nenhuma conexão com anseios mais profundos. Hidalgo nunca está satisfeito, sempre quer mais e nada é bom o bastante.


Não é a toa que o que acontece nas nossas florestas hoje, aconteça também na vida das mulheres. Autoras do ecofeminismo já comentaram sobre a desvalorização da selvageria feminina e o desmatamento da Pachamama serem processos semelhantes, reflexos da nossa sociedade doente. Afinal, nossos ciclos, bem como os ciclos da natureza não se encaixam na produtividade do capitalismo que, desculpa Titãs, mas não é selvagem, pelo contrário, nada tem a ver com o conceito trabalhado por Clarissa.


Como diz a autora “Quando há excesso de fabricação sem alma, os resíduos tóxicos escorrem para o rio límpido, eliminando tanto o impulso criador quanto a energia”. Ser selvagem nada tem a ver com anarquia. Tem a ver com o respeito aos ciclos naturais, respeito aos fluxos do rio, aos fluxos do nosso sangue, aos fluxos do tempo e dos processos, bem como um tremendo respeito por tudo que for criado e por tudo que foi criado pela natureza.


Juliana Soeiro

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