top of page

Autoestima

Autoestima

Não sei quando comecei a me sentir assim, tão sem reação. Se foi quando eu disse não ou se quando eu disse sim. Sim para uma nova chance, pelo relacionamento de tantos anos, afinal eu não iria colocar tudo fora por uma bobagem.

Bobagem?

Só eu sei o quanto doía.

Mas, afinal, eu não valia nada mesmo. Melhor enxugar as lágrimas e continuar.

Tanta coisa a perder.

Mas a dúvida continuava: foi quando eu disse sim a este homem? Quando me encantei pelo carinho e atenção que ele me dava? Afinal, ele parava tudo que estivesse fazendo por mim?

Quanto carinho, quanta atenção, quanto amor, quantos planos.

A cada nova briga nova fase de perdão e de carinho. E quantas juras e promessas que não se repetiria mais. E eu já não sabia o que queria. Afinal, o problema era eu.

Podia disfarçar e dizer que foi um acidente, embora por dentro eu estivesse destruída e não tivesse muito a comemorar, pois meus anos de convivência com outros homens também foram marcados pelo fracasso. Tudo isso me fazia pensar: seria melhor sem ele? Como eu sobreviveria?

Lembrei de minha vida na escola, o quanto eu era ativa, radiante, acreditava que podia mudar o mundo com meu radicalismo. O primeiro namorado, as primeiras experiências sexuais, as quais, quando fracassavam, a culpa era minha.

Será que foi quando eu disse não ao primeiro namorado? O que fez eu me perder de mim mesma? Da minha autoestima?

Teria sido nos meus 15 anos, quando eu sonhava que bastaria eu me adequar para conquistar o mundo? Meu pai ao meu lado dançando a valsa e eu me sentindo princesa. Foi ali, no sonho de princesa?

Foi no sim ao amor que eu tinha pelo meu pai, tão protetor, sempre dizendo como eu deveria me comportar aos 7 anos? Foi no sim ao sonho de princesa – que eu era – com 4 anos? Ou foi no sim, quando nasci, à construção de uma menina, mesmo que eu não soubesse o que seria?

Quantas perguntas, quantas incertezas, quantos pedaços pra juntar.

Esta história poderia ser minha ou de qualquer mulher, pois muitas chegam ao atendimento sem conseguir tomar uma decisão. O sentimento de fracasso, aliado ao fato de não conseguir se proteger e à decepção por ter sofrido a violência por quem dizia lhe amar as deixa sem reação.

Seria efeito de uma educação ao silenciamento, ao cuidado do outro? Mal nasce uma mulher e já lhe dão tarefas, um bonequinho (ou ursinho) para cuidar. Ela nem sabe cuidar de si mesma, mas já cuida tão bem do bonequinho. Não sabe falar, mas já identifica que o bonequinho deve estar com fome e lhe dá a mamadeira. Não sabe pedir para ir ao banheiro, mas sabe trocar as fraldas dele.

Outro dia vi uma menininha de uns dois ou três aninhos no shopping, carregando seu bebê no colo enrolado em uma mantinha. Como ela o segurava com cuidado. Não é sem prejuízo a si mesmas que estas meninas, antes de saber de nomear o que sentem, o que vêm, antes de saber cuidar de si já estão cuidando de outro ser (mesmo que seja de brinquedo).

Esta responsabilidade pelo bem-estar do outro, tão prematura, provoca silenciamentos ao cuidado de si. Depois exigimos desta menina/mulher que consiga romper com o ciclo de violência, sem antes romper com a responsabilização pelo bem-estar do outro (seu algoz e tantos outros que vieram antes dele).

Sem uma rede de amigos com quem possa falar talvez esta mulher não consiga romper com a falta de reação. Talvez tenha dificuldade de sozinha, elevar a autoestima e tomar uma atitude.

Os grupos de discussão são lugares onde as mulheres podem falar do ser feminino, repensar os efeitos de uma cultura machista e resgatar o cuidado de si mesmas, antes de pensarem em cuidar de outro (se é que desejam isso).

Por Ivete Machado Vargas

Comments


bottom of page