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As mulheres são fortes e ponto

Dia desses assistindo o comercial que a marca esportiva Nike lançou no intuito de exaltar a força da mulher, me dei conta de como somos genuinamente fortes e, ao mesmo tempo, tão subestimadas em tantos aspectos das nossas vidas, o que sempre condiciona e questiona o tamanho da nossa força. Pare para pensar em quantas vezes você já foi pré-julgada simplesmente por ser mulher. Seja em situações bobas, como ser “aconselhada” a não pegar várias sacolas no supermercado porque, aparentemente, não somos tão fisicamente fortes, até ser cortada de um projeto importante na sua empresa, porque mulheres são emotivas demais, incapazes de lidar com prazos e com a pressão de uma grande empreitada. Quem nunca passou por algo assim?

No tal comercial, por exemplo, a tenista Serena Williams (que sistematicamente é estereotipada) usa um termo utilizado para nos agredir desde que o mundo é mundo, “Louca”, para dar a dimensão do que temos que aturar diariamente e historicamente. Quem nunca foi chamada de louca por um colega, chefe ou ex-namorado? Quem nunca foi chamada de louca por alguém aleatório no trânsito ou na fila de banco? Nos chamam de loucas para nos desqualificar, nos diminuir. Nos chamam de louca para tentar enfraquecer nossas conquistas, para silenciar nossa voz, que hoje está cada vez mais alta, impulsionada por tantas vozes que vieram antes.

O intuito do vídeo é, justamente, chamar a atenção para esse aspecto tão incutido na sociedade e que definitivamente precisa ser extinto. Se somos assertivas no ambiente de trabalho ou na defesa de um ideal, automaticamente somos taxadas de agressivas, se mostramos alguma emoção, somos rotuladas como frágil, sensível, emotiva. Confesso que por muito tempo também via as minhas emoções como fraqueza. Não suportava a ideia de chorar em público, de demonstrar qualquer sinal de sensibilidade, porque culturalmente fomos ensinadas que para termos credibilidade e respeito deveríamos adotar uma postura fria. Ocorre, porém, que carregamos em nossa essência todos esses sentimentos. Somos assertivas e sensíveis. Amáveis e Rígidas. Tudo isso nos constitui.

Hoje, com 28 anos de idade, entendo que mesmo a minha geração que nasceu com muitos direitos já adquiridos, com uma mentalidade e um mundo diferente da época em que minha mãe nasceu, ainda carrega esse fardo tão árduo de ser uma fortaleza imutável e irredutível.

Porém, não há mais nenhuma dúvida de que nós somos fortes e ponto. Sem fortes e mais alguma coisa. As mulheres são genuinamente fortes em todos os sentindo… Não estou aqui puxando a coisa pro nosso lado (apesar de achar que merecemos), estou reafirmando algo que é biológico, intrínseco, algo que faz parte de quem somos. Desde muito pequenas já carregamos uma força que brota em situações como um simples tombo de bicicleta.  Simplesmente levantamos, limpamos a sujeira que ficou e partimos para outra.

Nos últimos anos em especial, amadureci muito sobre quem sou, sobre minha postura, sobre o legado tão forte das mulheres da minha família, sobre a força que as mulheres que fazem parte da minha vida me passam diariamente. Mas,  especificamente, queria destacar aquelas mulheres que fazem parte da minoria das minorias, ou seja, mulheres, negras, pobres, domesticas.

Nesse ponto é importante falar sobre a necessidade dos recortes da vida… Como feminista declarada, depois de adquirir certa bagagem de vida e de leitura, me vi obrigada a pautar cada vez mais as demandas das mulheres negras, que infelizmente ainda são distintas das mulheres brancas.  Ângela Davis, já dizia que não pode haver um movimento feminista que não seja antirracista. Vou além e digo que não podemos falar de feminismo sem incluir a luta de todas, que vai desde a questão racial até a social (percebem o hiato entre elas?).

Nessa inclusão, questiono até onde as mulheres que limpam nossas mesas do escritório, tiram nosso lixo, limpam o banheiro que usamos, são incluídas?   Será que o nosso mexeu com uma, mexeu com todas também inclui essas mulheres? Trago esses questionamentos com o intuito de enaltecer a força delas, que fazem parte das estatísticas do nosso país, seja em termos de liderança/chefia dos lares, seja na criação solo dos filhos. Essas mulheres, como as minhas avós, que deixam os próprios filhos para cuidar dos filhos dos outros, carregam talvez o DNA mais puro da fortaleza feminina. Elas que passam não só pela diferença de gênero e de raça, mas também pela diferença social…Elas são invisíveis a tantos olhos. Porém, também são elas que impulsionam a economia do nosso país, que batalham dia após dia, de modo incansável. Que desempenham o trabalho pesado que provavelmente muito homem não desempenharia.

Em especial, quando penso nessas mulheres “invisíveis”, penso em duas personagens que fazem parte do meu dia a dia e que em sua simplicidade me passam ensinamentos que nenhum diploma poderia me dar. Elas me mostram o quanto são corajosas, aguerridas e, ao mesmo tempo, amáveis, sensíveis. Demorou um tempo, mas hoje entendo que há força dentro da nossa capacidade de sentir… Essas mulheres me mostraram isso da forma mais linda de todas, vendo o lado positivo nas suas próprias tragédias pessoais. Uma perdia alguém especial e se via obrigada a ser forte mesmo diante do seu luto, a outra tinha que aprender a lidar com os desafios de ser mãe solo e provedora do seu lar.


No entanto, ambas conseguiam ver o lado positivo das coisas, passando para mim, que ainda tento reencontrar minha força, diante da minha tragédia pessoal, tudo o que elas haviam aprendido nessa longa estrada da vida… Estrada que foi marcada por um histórico de superação, num nicho da sociedade que não conhece palavras como “sororidade”, “empatia”, “equidade”.

Nesse sentido, penso que devemos repensar nosso ativismo, ampliar nossas pautas e estendê-las a todas. Afinal, de modo geral, ainda somos cerceadas, depreciadas e abusadas em vários sentidos. É de extrema importância maximizar nosso perímetro, tendo a noção de que existem algemas diferentes das nossas que aprisionam outras mulheres. E isso é o que inviabiliza a efetividade da equidade de gênero, social e racial.

Eu, como mulher negra, classe média, diplomada, com “bom” endereço, acesso à informação, entendo que as demandas da mulher negra que acorda às 5h da manhã, que limpa o escritório em que eu trabalho, que mora da vila dominada pelo banditismo definitivamente não são as mesmas que as minhas. Isso é entender os seus privilégios, com o intuito de que essa mulher marginalizada tenha espaço para entoar sua voz, para que suas demandas sejam ouvidas.

Talvez um dia não precisaremos mais fazer esses recortes, talvez um dia atingiremos a tão sonhada equidade racial, social e de gênero. Acredito piamente que esse dia irá chegar se estendermos nosso feminismo a todas. Como dizia a incrível escritora caribenha-americana Audre Lorde (vale a pena ler sobre essa mulher): “Não serei livre enquanto alguma mulher for prisioneira, mesmo que as correntes dela sejam diferentes das minhas “. Então, irmãs, que tal começarmos a tornar visíveis essas mulheres que são absurdamente fortes e, ainda assim, seguem como um asterisco na história?

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