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As desigualdades sociais, econômicas, afetivas e de gênero da população negra


Como dito por Mandela “ Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem ou ainda por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender, e se podem aprender a odiar, elas podem ser ensinadas a amar”.

Mas como colocar essa premissa aparentemente tão simples em prática quando vivemos numa sociedade opressora, que tem a necessidade de dominar?

Quando nos deparamos com situações como as ocorridas mais recentemente nos EUA, no assassinato brutal de George Floyd ou, ainda, como as precoces mortes dos meninos Miguel e João Pedro, que como uma metáfora da vida, foram negligenciados por quem deveria zelar por eles, nossos corações sangram e, ao mesmo tempo, sentimos raiva. Sentimos medo, culpa por nossas omissões. Temos sede de mudança. Queremos olho por olho.

E, ao meu ver, é aí que precisamos falar sobre essa falsa democracia racial em que vivemos. Tanto no Brasil como nos EUA. Precisamos falar sobre esse racismo institucionalizado que existe há muito tempo,  e que faz parte de um comportamento que é universal: A negação. 

Se negamos a existência da escravidão no nosso país, me parece "natural" que o racismo consequente dela seja negado, quando no nosso imaginário coletivo negamos a existência do passado ( e presente ) escravocrata brasileiro.

É aquela coisa EU FINJO QUE NÃO SOU DISCRIMINADA E VOCÊS QUE NÃO EXISTE RACISMO NO BRASIL.

Sueli Carneiro, um dos principais nomes do Movimento Negro brasileiro e umas das intelectuais mais importantes do nosso tempo, disse na última Festipoa Literária que “Se podemos educar as pessoas para discriminar e oprimir será possível fazê-las aprender a respeitar, acolher e se enriquecer com as diferenças raciais étnicas e culturais. Este é o abcesso do novo pacto racial e de gênero que desejamos. Um país que foi capaz de criar a mais bela fábula de relações raciais, que é o nosso mito da democracia racial, talvez seja também capaz de um dia torná-lo realidade”.

Ou seja, vivemos num país que nega sua bagagem racista, nega seu passado escravocrata e as consequências desse passado. Vivemos num país que rechaça as cotas raciais, mas não se dá conta de que esse mito da meritocracia é injusto, ingênuo e utópico, se levarmos em conta que a população negra, anos após a abolição da escravidão, ainda sofre os resíduos desse período.

Alguns dados sobre o nosso país podem ajudar a entender esse pensamento brasileiro de negação .

O Brasil foi o último país das Américas a abolir com a escravidão. Há somente 131 anos os negros brasileiros são considerados livres, mas será que somos, de fato, livres?

Alguns dados:

Os negros somam 55% da população brasileira e 13% da americana.

Somos um dos povos mais miscigenados! 

EDUCAÇÃO: No Brasil, a taxa de analfabetismo entre os negros (9,1%) de 15 anos ou mais é superior ao dobro da taxa de analfabetismo entre os brancos da mesma faixa de idade (3,9%), segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Em 2018, 6,8% da população brasileira era considerada analfabeta.

Nos Estados Unidos, a taxa de analfabetismo é menor que a do Brasil (1%). Mas a desigualdade entre brancos e negros também está presente. Talvez esses dados sejam um pouco diferentes pois a conduta americana em relação ao tratamento que os alforriados tiveram no pós escravidão foi distinta do que no Brasil. Aqui de escravos, os negros viraram sem tetos, andarilhos desamparados. Lá, nos EUA, ganharam um pedaço de terra, uma indenização para recomeçar.

MERCADO DE TRABALHO:

Os negros ganham menos do que os brancos tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos. Segundo o IBGE, pretos e pardos tinham um rendimento domiciliar per capita de R$ 934 em 2018. No mesmo ano, os brancos ganhavam quase o dobro — em média, R$ 1.846. Nos Estados Unidos, ocorre situação semelhante. Lá, a renda é medida anualmente. Segundo o Censo americano, os negros têm uma renda domiciliar média de US$ 41,3 mil por ano, um pouco mais do que a metade da dos brancos (US$ 70,6 mil). A taxa de desemprego entre os negros também é maior que a dos brancos. Segundo o IBGE, a taxa de desocupação entre os negros em 2018 foi de 14,1%, contra 9,5% entre os brancos.

Mortandade da população negra:

Uma das principais causas de mortes de negros é a violência. Em uma década (2007-17), a violência contra pretos e pardos no Brasil cresceu dez vezes do que a contra brancos. Setenta e cinco a cada 100 pessoas assassinadas no país eram negras, segundo o mais recente anuário estatístico do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que teve como base o ano de 2017. A proporção é a mesma entre pessoas mortas em intervenções policiais.

RESQUÍCIOS NÍTIDOS DA CULTURA RACISTA DO PAÍS.

População Carcerária:

Há disparidade também na taxa de encarceramento. Segundo dados do Infopen, sistema de informações estatísticas do sistema penitenciário brasileiro, há 750 mil detentos no país. Entre os presos com dados disponíveis no sistema sobre cor de pele, raça ou etnia, 67% são negros, e os brancos, 32%. Na sociedade brasileira, esses dois grupos são, respectivamente, 55 % e 44%. Nos EUA, os negros também estão sobrerrepresentados nesse quesito, mas isso tem recuado. Eles são 13% da sociedade, mas 40% da população carcerária do país (no Estado de Maryland, chegam a 72%). A taxa de encarceramento da população negra, de 1.408 para cada 100 mil habitantes, é cinco vezes maior que a de brancos.

Representatividade:

Negros são sub-representados nos Congressos e Executivos dos dois países

São sub-representados na indústria do cinema, literária, musical. Ainda somos invalidados.

GÊNERO:

Na questão de gênero, as mulheres negras estão na base da pirâmide social. Fomos as últimas a obter o direito ao voto. Estamos atrás “dos homens negros na escala social”.

Simone de Beauvoir fala sobre o segundo sexo... Então em qual lugar estão as mulheres negras?

Nesse viés, temos uma das mais influentes intelectuais brasileiras do momento, Djamila Ribeiro, que em seu livro LUGAR DE FALA, aponta para uma história que foi capaz de desumanizar a população negra, principalmente a mulher, fadada ao silêncio até mesmo nas pautas feministas universalizantes. O racismo, como protagonista de um cenário social, isolou a mulher negra e a reduziu a um corpo inexpressivo. Porém, não quer dizer que essa mulher negra não tivesse tentado falar, ela só não foi ouvida.

O livro repensa qual é o lugar de fala dessas mulheres que estão presentes nos feminismos debatidos, apontando que não discutir esse múltiplo que vai além da mulher branca, cis e de classe média é silenciar os anseios de uma parcela considerável de mulheres que historicamente são colocadas na penumbra da “inexistência”

Como disse Bell Hooks, "mais do que qualquer grupo de mulheres, as negras têm sido consideradas só corpos sem mente. E aqui estou eu nesta noite, realizando sonhos não ousados, fruto da generosidade e do acolhimento, não apenas dos meus discursos, mas sobretudo de reconhecimento de realidades e vivências cruéis que pessoas negras experimentam nessa sociedade e contra as quais tem que estar sempre em luta, sempre alerta, em legítima defesa”, afirmou.

Fecho: "Nós não escrevemos para adormecer os da casa-grande, pelo contrário, é para acordá-los dos seus sonos injustos" Conceição Evaristo.


Por Amanda Alves Rodrigues

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