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‘Anti-asilo’ francês reúne mulheres em bem-viver coletivo e chama debate para idosos no Brasil

Uma feiticeira solitária, comumente retratada como uma mulher bastante idosa e que se traveste em mil disfarces sem nenhuma restrição de gênero: essa é descrição de Baba Yaga, o arquétipo da bruxa eslava. E se, a exemplo de suas aparições no folclore russo, ela é com frequência retratada por seu aspecto sombrio e sua aparência feroz, na França, a persona mitológica serviu para batizar um projeto muito interessante. Na região parisiense, no município de Montreuil, a Maison des Babayagas reúne mulheres com mais de sessenta anos em um projeto coletivo que promete ir de encontro aos padrões dos já conhecidos asilos.

Para entrar no Babayaga, além de ter de cumprir o requisito de idade mínima sexagenária, é necessário ser francesa ou, em casos de nacionalidade estrangeira, ter uma permissão permanente de residência em território francês. Também é imprescindível que a candidata tenha perfil compatível com a etiqueta Habitat Social, já que a iniciativa está num prédio destinado pela prefeitura a pessoas de menor renda comprovada. Para se manter por lá, a moradora tem de assinar um termo e seguir à risca os valores implementados pela fundadora, Thérèse Clerc, militante feminista de Maio de 68. Entre os pilares do Babagaya, estão cidadania, ecologia, feminismo, laicidade e solidariedade. No topo da lista, a autogestão. Isso significa que, na prática, se por algum motivo uma das mulheres hospedadas por lá perde sua autonomia física ou mental, ela precisará se mudar ou para a casa de familiares ou para espaços como os conhecidos Ehpad, os asilos-padrão da França.

Lilia D’Albertas, de 83 anos, é brasileira, mas hoje mora em Paris e diz ter adorado a proposta de viver coletivamente. Nascida paulistana, esteve, no começo da década de 70, à frente da direção de um dos colégios mais tradicionais da capital, o Vera Cruz, instituição, aliás, que ajudou a fundar. Em terras francesas, casou-se de novo e voltou ao Brasil em 1981, para Florianópolis, carregando um sonho na bagagem: queria oferecer uma educação que pudesse nutrir crianças e jovens com os valores humanos mais profundos.

Foi em 2011, depois de aposentada em mais uma escola que ajudou a erguer, que voltou à França. No dia anterior dessa entrevista, D’Albertas tinha deixado a filha preocupada porque não atendia o celular. “Quando ficamos velhos, os filhos, muitas vezes, ficam em cima, aflitos. Stela me ligou ontem e não atendi, mas era porque, no fim, eu não dormi essa noite, fiquei lendo o livro do Raphaël Glucksmann, escritor e atual político francês. Então eu dormi agora de dia”, conta, rindo, e completa: “O que achei bárbaro é que no Babayaga elas compartilham uma vida em comum. Quando estamos numa idade parecida, sabemos melhor o que está acontecendo uma com a outra”.

No Brasil, a população idosa é a que mais cresce. Segundo dados do Ministério da Saúde, em 2030, o número de idosos ultrapassará o de crianças entre zero e 14 anos. Embora os números sejam significativos, ainda há uma carência enorme de políticas públicas que impactem positivamente a terceira idade. Esse despreparo para acolher a velhice brasileira já é facilmente observável na base da pirâmide. Entre os mais pobres, aumenta o número de idosos desamparados por suas famílias. O governo tampouco cuida dessas pessoas. Segundo o Ministério do Desenvolvimento Social, a demanda por vagas em albergues não para de crescer, mas os espaços, já lotados, não conseguem acolher novas pessoas. Pior: apenas 6,6 dos asilos no País são públicos e mais de dois terços dos municípios não têm abrigo para idosos.

Preparar-se financeiramente para a velhice também não é tarefa fácil. Se a proposta da reforma da Previdência for aprovada, será possível que o idoso pobre antecipe seu benefício — dos 65 anos válidos hoje para 60 anos —, mas reduz drasticamente os valores iniciais pagos — R$ 400, contra os R$ 998 atuais.

Fonte: Hypness

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