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A insistente despresença feminina

Reuni-me a poucos dias com amigos para um churrasco. Enquanto os homens, cuidadosamente preparavam o fogo, a carne, e decidiam qual a melhor maneira de preparar “o churras”, nós mulheres tomávamos chimarrão e conversávamos sobre como estávamos, nossos filhos, amigos, parentes, etc. Em algum momento da conversa, enveredamos a falar do momento político atual, este ou aquele político, e por que acreditávamos seria uma gestão boa/ruim. Foi neste momento que me deparei que em volta da churrasqueira os assuntos eram os mesmos. Então deixei a curiosidade correr solta. Evidentemente que, como uma criança que corre e se agita muito durante o dia e tem o sono mais agitado à noite, minha noite foi agitada pelos pontos prazerosos do encontro com os amigos, e é claro, por minhas observações.

Aprendemos, por muito tempo, que lugar de mulher é na cozinha. Quando surge uma oportunidade, como aquela, que eles assumiram este posto e nós, mulheres, estávamos noutro lugar, nossos assuntos, de uma maneira muito similar, pareciam com os deles, mas não eram, de fato, originais, eram cópias. Isso mesmo, nossos assuntos, assim como os deles, eram cópias do que ouvimos no dia-a-dia, do que lemos, do que refletimos, etc. Me dei conta que as mulheres que apareceram nas nossas falas assumiram um papel irrelevante, se comparado com o dos homens. Embora tenhamos mulheres na política, elas não estão nas nossas discussões, embora tenhamos mulheres importantes na economia, elas não são lembradas. Embora elas tenham sido tão importante quanto eles nas ciências, na história, na filosofia, na religião, é deles que falamos, e quando elas surgem, ganham apenas alguma frase destoada do resto, do tipo: “ela sabia, mas não entrou no esquema”; “o problema dela é que ela se achou, aí foi rejeitada”; “ela não teve voz de comando, não adquiriu respeito”; “ela não soube se dar valor”.

Em todas estas falas, encontradas também na mídia, nos discursos populistas, nos discursos “técnicos/científicos”, este discurso por trás do “ela não se dá valor”, escamoteiam a ideologia ardilosa do “elas não tem capacidade”. A mesma ardilosa desculpa utilizada para submeter os negros à escravidão, os índios à extinção, os trabalhadores à miséria. Elas não têm capacidade. Mas este discurso, tão impregnado na sociedade, como diz Gilberto Freire, que a língua é macha, nos faz pensar que tudo o que tem valor é masculino e coloca por traz das câmeras o feminino, ocupando sempre um papel secundário, mesmo quando foi a protagonista.

Lembro de um curso sobre o totalitarismo, onde o palestrante guiava-se por um autor masculino. Quando questionei o motivo da preferência ou por que ele não trouxe Hannah Arendt, a resposta que ouvi, foi: “vocês, mulheres, estão dominando o mundo. Até na presidência vocês estão” (isto foi antes do golpe), deixando escapar que a escolha refletia um modo de pensar machista, que não está aberto a deixar que ocupemos o espaço que também é nosso. Temos que mudar isso, temos que valorizar nossas conquistas, impedindo que o machismo nos tire nosso protagonismo.

Lembremos disso. Beijo no coração.

Por Ivete Machado Vargas

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